Locação para temporada: uma locação refém da interpretação, será?

Anfitrião Airbnb dando boas vindas aos hospedes

No Brasil, infelizmente, o preconceito social faz com que programas de incentivo empresariais garantam a lucratividade das empresas em momentos difíceis, justificando-se o ato para que não haja demissões de funcionários. Mas, quando tratamos de habitação, registramos um incentivo a nunca uma família de baixa renda poder exercer os direitos constitucionais de ter seu imóvel inserido no sistema econômico (art. 170 da Constituição Federal) e poder obter um complemento de renda.

Quando enfrentamos a aplicação do art. 48 da lei de locação em condomínios edilícios, não é diferente, especialmente nos empreendimentos classificados como Habitação de Interesse Social – HIS e Habitação de Mercado Popular – HMP.

Diz a lei de locação em seu artigo 48: Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel e outros fatos que decorrem tão somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.

Por esclarecimento, na lei de locação, afastadas as hospedagens atípicas (parágrafo único da alínea “a” do art. 1º da lei de locação), temos sempre o parâmetro de destinação do imóvel, qual seja, residencial (Capítulo II da lei de locação), cabendo três tipos de locação no nosso ordenamento:

Seção I – locação residencial
Seção II – locação para temporada residencial
Seção III – locação não residencial

Importante frisar que nosso Código Civil esclarece, nos artigos 70 a 79, que para domicílio há necessidade de residência fixa, podendo qualquer pessoa ter mais de uma residência, conforme inclusive a etimologia da palavra:

A palavra “residir” vem do latim residere, que significa “morar, permanecer”. Residere é composto por re-, intensificativo, e sedere, que significa “sentar-se”.

Ou seja, residência não está para onde você tem propriedade, mas onde você está no momento, sendo assim, locar temporariamente para fins diversos previstos em lei imóveis residenciais.

No entanto, o STJ, desconsiderando a legislação e analisando dois casos concretos (um condomínio de casas com incidente de segurança e outro imóvel em condomínio de apartamento usado como hospedaria por alugar quartos), entendeu, nestes casos específicos narrados nos processos, ser possível o condomínio restringir a locação para temporada, considerando o meio em que se faz o negócio jurídico (aplicativos) como fator para se classificar a locação como hospedagem atípica, sem considerar que a lei permite locações de 1 a 90 dias como locação para temporada, e não seria o meio a forma de separar ou identificar abusos.

Pois bem, se não bastasse tal condição, em novo ativismo, agora legislativo municipal, em 28/05/2025 foi promulgado, no município de São Paulo, um decreto de lei que altera o conceito de dispor das propriedades adquiridas por HIS e HMP, proibindo a locação para temporada. Diz o texto: O aluguel de curta duração, por se destinar à mera estadia temporária, não configura provisão habitacional para as finalidades de que tratam os artigos 46 e 47 da Lei nº 16.050, de 2014.

A questão, então, entra mais uma vez em debate em três frentes principais, entre outras:

  • O que seria locação de curta temporada quando a lei permite locação para temporada até 90 dias?
  • Uma lei municipal poderia restringir o dispor de uma propriedade, somente pela finalidade de um programa habitacional?
  • Programas habitacionais concedem ao cidadão uma propriedade restrita, onde eternamente este ficará refém da origem do empreendimento, sem jamais poder compor o imóvel à sua ordem econômica?

A segurança jurídica de um Estado Democrático de Direito não está na interpretação de conveniência, mas na aplicação correta da lei.

A criação de utópicos conceitos, pela agilidade e dinamismo da tecnologia (locação para temporada há décadas sempre foi feita por classificados em jornal e revista, hoje por aplicativo), não pode restringir o que a lei permite. E, uma vez que a lei não define o que seria fim social da propriedade, em condomínios seria esta a destinação (residencial ou não residencial) ou a forma de negociação do empreendimento (com programas habitacionais ou sem programas habitacionais).

Por fim, independentemente de todas as respostas — que notoriamente deve o STF definir quanto à constitucionalidade desta norma municipal, que inclusive define como eterno o direito a não ter lucro com o imóvel de sua propriedade obtido por programas habitacionais — vivemos um tempo de achismos e interpretações perigosas que criam na sociedade reféns de tais interpretações.

Autor

  • Cristiano de Souza Oliveira

    Advogado Condominialista e Consultor Jurídico há 29 anos; Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Integrante Convidado da Comissão Especial de Administração de Condomínios do CEAC do CFA e do Grupo de Excelência de Administração Condominial – GEAC do CRA/SP; Autor do livro Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições; Coautor do livro Transparência em Condomínios Edilícios – A essência da boa gestão – Coleção Síndico Administrador; Colunista em diversas revistas e jornais do segmento; Professor de diversos cursos das áreas Condominial, Imobiliária, Mediação e Arbitragem; Sócio-fundador da Advocacia Cristiano De Souza; Diretor Jurídico do Instituto Educacional e de Pesquisas – Encontros da Cidade – IEPEC.