A intolerância e os abusos de moradores podem ser devastadores para o síndico. Cuidar de si é essencial para não adoecer nem comprometer a gestão
Após 26 anos dedicados ao comércio da família, Christian Edson Nocete migrou para a sindicatura profissional por conhecer bem os processos de manutenção. O que ele não imaginava era o perfil do novo público. “Em condomínios, as pessoas querem tudo para ontem, seja a demanda urgente ou não. E, quando você se desdobra e entrega o solicitado, já lhe incumbem mais tarefas. É como se o síndico estivesse sempre em dívida, o que é angustiante”, descreve. Ele menciona mais uma conduta desagradável: “Se você chama a atenção de um morador por alguma infração, em vez de assumir o erro, ele passa a apontar supostas falhas na gestão. Parece coisa de criança.”
Nos últimos tempos, os familiares de Christian notaram mudanças em seu comportamento. “Eu estava disperso, ansioso e irritado”, resume. Ao procurar ajuda médica, recebeu a orientação de não sucumbir ao imediatismo alheio e de buscar meios de preservar a saúde. Desde então, passou a dividir suas angústias com o sócio, que já tem mais tempo de mercado, voltou a jogar futebol e a passear com seus pets, aderiu às marmitas para melhorar a alimentação e estabeleceu um novo limite: nada de responder mensagens de WhatsApp à noite. “Antes, eu grudava no celular, apreensivo. Hoje, entendo que, se for algo emergencial, vão me ligar.”
O também síndico profissional Cristyan Walker confirma que a cobrança constante é emocionalmente desgastante. “Depois do ChatGPT, então, que dá respostas na hora, os moradores acham que o síndico deve funcionar do mesmo jeito.” Para ele, o problema se intensificou no pós-pandemia, potencializado pelo uso indiscriminado do WhatsApp. “Mal ocorre um fato, às vezes até de madrugada, como um morador entrar com cachorro no elevador social, e já proliferam mensagens cobrando providências. Isso acontece em condomínios de todos os padrões.”
Há 12 anos na área, ele recorda que, durante a pandemia, os frequentes casos de agressões dentro das unidades o abalaram. “Era o momento de darem as mãos, e não de brigas e violência”, lamenta. Na época, ganhou peso e desenvolveu hipertensão. Recorreu à psicoterapia, que mantém até hoje, e à fé cristã como pilares para fortalecer-se diante das “intempéries” condominiais. “Hoje, consigo lidar melhor com o dia a dia dos condomínios, utilizando meus aprendizados para melhorar cada vez mais a vida dos condôminos.”
Síndica profissional e psicóloga, Luciana Oliveira Tolentino acreditava que a pandemia tornaria as pessoas mais empáticas, mas avalia que aconteceu o contrário. “Ficaram mais intransigentes! Questões envolvendo barulho, pets, colaboradores ou regras aumentaram muito”. A dificuldade na comunicação interpessoal é outro problema. “Não querem resolver nada entre si, demandam tudo para o síndico, o que gera enorme pressão.” Ela, que também é síndica moradora, destaca que o gestor orgânico é visto como um colaborador disponível o tempo todo. Já nas concorrências de que participa como síndica profissional, nota que muitos condôminos querem dedicação integral do gestor. “Não querem um síndico, querem uma Inteligência Artificial”, compara.
Entre comportamentos abusivos nos condomínios que administra, Luciana cita o morador que a procurou tarde da noite para saber sobre a locação da churrasqueira — algo que poderia ser resolvido pelo aplicativo da administradora — e um idoso que tentou agredi-la por discordar da troca da empresa terceirizada. Ainda assim, aposta na “sindicatura afetiva” e na comunicação a favor de sua saúde mental.
Frequentemente, ela reforça pelos canais oficiais do condomínio quais são os papéis do síndico, zelador ou gerente predial e da administradora. “Faço um organograma mostrando quem faz o quê.” Já a “sindicatura afetiva” consiste em se aproximar do morador, compreender suas dores e mostrar que a gestão não é inimiga. “A cada dois meses, promovo o café com a síndica e organizo muitos eventos ao longo do ano.”
Nos grupos de WhatsApp de moradores, não deixa “a massa crescer”. “Eu não participo, mas, se fico sabendo que alguém começou a reclamar, por exemplo, da demora na obra do parquinho, eu gravo um vídeo com informações sobre a reforma e envio pela lista de transmissão. Acabou o assunto”, fala. Outra estratégia diz respeito a comunicar suas miniférias de modo assimilável. “Deixo claro que um síndico emocionalmente desgastado terá muito mais dificuldade para tomar decisões saudáveis para o condomínio”, sustenta Luciana.
Campo Minado
A advogada condominialista Claudia Hernandes observa que a gestão de um condomínio deixou de ser uma tarefa administrativa para se tornar um campo minado no aspecto emocional. “Já não bastassem as inúmeras obrigações legais e responsabilidades que o cargo exige, por trás da organização financeira, prestação de contas, assembleias, manutenções e tantas outras atividades, existe, em alguns casos, uma epidemia silenciosa de abusos que prejudica a saúde mental dos síndicos”, constata.
Claudia enfatiza que, quando o abuso se torna sistemático e as ofensas evoluem para crimes como injúria, calúnia ou difamação, é hora de tomar providências. “A saúde mental do síndico não é um luxo. Tolerar o abuso é permitir que esse tipo de comportamento se fortaleça. Por isso, é imprescindível mudar essa dinâmica, mostrando a quem ousa atacar que haverá consequências.”
Nesse momento, é fundamental recorrer a um advogado criminalista. Segundo Claudia, ele irá analisar todas as provas disponíveis, como prints de mensagens, e-mails e gravações. “Essas evidências serão imprescindíveis para avaliar a possibilidade de um processo criminal contra o agressor. A coragem do síndico em buscar Justiça não protege apenas sua honra, mas também o futuro de toda a gestão condominial”, arremata.
Quatro pilares para viver melhor
Profissional de educação física, psicanalista e neurocientista, Cláudia Guastelli atua junto a empresas e condomínios promovendo saúde e bem-estar. Ela criou um método baseado em quatro pilares para uma vida saudável: saúde física, mental, emocional e social/ espiritual.
Na saúde física, entram atividade física, sono, hidratação e alimentação. “Todos são fundamentais. A atividade física é obrigatória, tendo tempo ou não para praticá-la. Quando nos exercitamos, liberamos serotonina, dopamina e endorfina — hormônios ligados ao bem-estar, à tranquilidade e até ao alívio da dor.”
Na saúde mental, o desafio são os pensamentos — mais de 60 milhões por dia. “Pensamentos negativos sinalizam perigo ao cérebro, que responde liberando cortisol e adrenalina. Em excesso, reduzem a imunidade e podem causar pressão alta e diabetes”, alerta. Ela recomenda listar prioridades para o dia seguinte e, quando surgir um pensamento pessimista, desviar a atenção dele e voltar ao que é essencial. É importante incluir na lista uma atividade prazerosa.
O pilar da saúde emocional envolve saber lidar com sentimentos perturbadores como raiva, angústia e tristeza. Entre as práticas sugeridas estão: identificar emoções, desenvolver resiliência, treinar a respiração e aprender a gerenciar pensamentos.
Já a saúde social/espiritual busca dar sentido à vida. “Independentemente de religião, é a conexão entre corpo, mente e espírito que ajuda a superar desafios”, diz Cláudia. Intuição, otimismo, gratidão, autocuidado e perdão completam as dicas para alcançar equilíbrio.

Agradecimento aos entrevistados
Na ordem, da esq. para a dir.: Cristyan Walker Christian Edson Nocete Luciana Oliveira Tolentino Claudia Hernandes Cláudia Guastelli
Matéria publicada na edição 316 out/25 da Revista Direcional Condomínios
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