A ascensão do short stay, ou hospedagem por curtíssima temporada mediada por plataformas digitais, consolidou-se como um fenômeno jurídico-econômico de notável impacto, suscitando complexas discussões no âmbito dos condomínios edilícios residenciais.
Essa modalidade, que permite a cessão de unidades autônomas por dias ou semanas, distancia-se substancialmente do contrato de locação residencial típico, disciplinado pela Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato), cuja finalidade precípua é o estabelecimento da moradia permanente ou habitual (art. 1º da LII).
Embora possa ser superficialmente assemelhada ao contrato de locação por temporada (art. 48 e ss. da LII), o short stay ultrapassa os limites desta figura típica pela rotatividade intensiva de ocupantes e pela prestação, ainda que indireta, de serviços adicionais que extrapolam a mera cessão de uso do imóvel. Concomitantemente, diferencia-se do contrato de hospedagem propriamente dito, regulado pela Lei nº 11.771/08 (Lei Geral do Turismo) e pelo Código Civil (art. 647 e ss. para o depósito de hóspedes), que pressupõe a exploração empresarial de meios de hospedagem com uma oferta contínua de serviços hoteleiros.
Diante dessa distinção, a doutrina e a jurisprudência têm qualificado o short stay como um contrato atípico, muitas vezes caracterizado como uma “hospedagem atípica”, justamente por não se enquadrar perfeitamente nos tipos contratuais preexistentes.
A ausência de tipificação legal específica para o short stay gerou uma significativa lacuna normativa, que foi gradualmente preenchida pela construção jurisprudencial. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em precedentes qualificados como o Resp 1.819.075/RS (Tema 982), firmou o entendimento de que a locação de unidades autônomas por curtíssima temporada, via plataformas digitais, quando praticada em condomínios com finalidade exclusivamente residencial, desvirtua a destinação do imóvel. Para o STJ, tal atividade é passível de proibição por deliberação assemblear da maioria qualificada dos condôminos (dois terços das frações ideais) ou por previsão expressa na convenção condominial. Essa tese é alicerçada na autonomia privada coletiva do condomínio e na prevalência da função social da propriedade sobre o direito individual de uso, visando a preservar a segurança, o sossego, a privacidade e a própria affectio societatis condominialis.
As implicações para a segurança dos condomínios residenciais são palpáveis e significativas. A constante e elevada rotatividade de pessoas estranhas à comunidade condominial fragiliza os sistemas de controle de acesso e identificação, aumentando a vulnerabilidade a incidentes e comprometendo a sensação de tranquilidade dos moradores. Além disso, as implicações jurídicas são vastas e complexas, envolvendo desde o aumento da litigiosidade por conflitos de convivência (perturbação do sossego, uso indevido de áreas comuns) até a necessidade de redefinição da responsabilidade civil do proprietário-anfitrião e, em certos casos, das próprias plataformas. O short stay impõe um desafio contínuo ao síndico e à administração condominial, que precisam equilibrar o direito individual de propriedade com o direito coletivo à segurança e à tranquilidade.
Nesse cenário de vácuo legislativo e intenso debate, o Projeto de Reforma do Código Civil, atualmente em trâmite no Senado Federal, surge como uma tentativa de pacificar a questão. As minutas em discussão propõem a inclusão de dispositivos que regulamentem expressamente o short stay em condomínios edilícios.
A alteração mais relevante prevê que, na ausência de expressa autorização na convenção condominial ou de deliberação assemblear específica que a permita, a locação por curtíssima temporada em unidades com destinação residencial será considerada proibida. Essa proposta legislativa inverte a presunção atualmente aplicada pela jurisprudência, que exige a proibição expressa, e passa a demandar uma autorização qualificada da coletividade para a legitimação da atividade.
Tal medida visa a fortalecer a autonomia condominial, conferir maior segurança jurídica ao mercado e aos condôminos, e assegurar que o uso das unidades autônomas esteja em consonância com a finalidade primária do empreendimento. A eventual aprovação desses dispositivos constituirá um marco crucial para o Direito Imobiliário e Condominial brasileiro, contribuindo para a redução de litígios e para a promoção de uma convivência mais harmônica em condomínios.