Quando a gestão condominial vai além da estrutura e promove pertencimento

Homem na cadeira de rodas

Uma gestão atenta às necessidades de pessoas com deficiência, idosas ou neurodivergentes fortalece a convivência respeitosa e integradora nos prédios residenciais  

Quando se trata de acessibilidade e inclusão, o síndico pode contribuir para transformar o condomínio em um lugar mais respeitoso e acolhedor, ao levar informações e propor melhorias estruturais e de convivência. Por sua vez, o síndico também aprende com a comunidade como colaborar e reforçar a sensação de pertencimento de pessoas com deficiência (de natureza física, intelectual ou sensorial), idosas ou neurodivergentes (indivíduos dentro do espectro autista, disléxicos ou com síndrome de Down, dentre outras condições). Marcela Volpato, três anos atrás, ao assumir a função de síndica profissional em um condomínio na Mooca, teve um grande aprendizado. “Assumi perto do Halloween e produzi uma festa para a criançada. Depois, fui procurada por uma mãe que me disse que síndico nenhum organizava festas pensando no filho dela, deficiente auditivo, e que por isso se sentiam excluídos. Aquilo me cortou o coração”, relata.  

Pensando na festa de Natal que se aproximava, Marcela conversou sobre a situação com um morador que, todos os anos, encarnava o Papai Noel, e ele se prontificou a aprender o básico da comunicação em Libras. A síndica também autorizou que a mãe do menino trouxesse à festa do condomínio dois coleguinhas de escola do filho dela, com a mesma deficiência, e contratou um monitor que conhecia a linguagem de sinais. “Foi emocionante ver a alegria dessas crianças junto ao Papai Noel”, recorda-se. Meses depois, o garotinho desenvolveu um problema motor nas pernas, passando a andar com dificuldade. Diante disso, a gestora autorizou a entrada do transporte escolar no condomínio, a fim de reduzir o desconforto do pequeno nos trajetos de ida e volta do colégio.  

Já em um condomínio na Vila Prudente, Marcela aprendeu a “corrigir” o hábito de se comunicar por áudios pela lista de transmissão depois de receber uma mensagem de uma senhora com deficiência auditiva, querendo saber sobre o que era o áudio. “Eu acho que me expresso melhor falando, então passei a produzir vídeos com legendas em minhas comunicações. O WhatsApp nos possibilita criar esses recursos”, indica. Marcela também convidou a moradora a participar das assembleias. Esta, ficou feliz em saber que o condomínio se dispunha a contratar um intérprete de Libras nas reuniões, de modo que ela tivesse condições de igualdade com os demais vizinhos de participar das decisões assembleares.  

Depois desses casos, Marcela incluiu uma pergunta na pesquisa enviada aos moradores sempre que chegava a um novo condomínio, para apurar se alguém tinha alguma necessidade específica e o que a gestão poderia fazer para melhorar a vida dessas pessoas. “Duas mulheres em cadeira de rodas, em um condomínio construído com acessibilidade no Butantã, me procuraram dizendo que não precisavam de nada, mas que estavam agradecidas pela preocupação da nova gestão”, relata e recomenda: “É interessante que síndicos invistam em pesquisas para conhecer o público do condomínio”.  

Falta de empatia  

Para Gustavo Moretti, síndico profissional há 10 anos, aquilo que parece não incomodar alguém pode ser exatamente o que falta para melhorar a qualidade de vida do outro. “Falta empatia”, resume ele, ao narrar um episódio em que isso ficou bem claro, em um condomínio na Vila Sônia. Após assumir a gestão, ele recebeu uma notificação da Prefeitura para que o condomínio fizesse adequações de acessibilidade. Foi conversar com o morador que havia feito a denúncia ao órgão público e soube que este pleiteava, há anos, a substituição da porta do hall por um modelo que não necessitasse do uso das mãos para abrir, pois as utilizava no manuseio da própria cadeira de rodas. A gota d’água para a denúncia foi o comentário ácido do antigo gestor: “Eu não vou mudar a porta só porque você quer”.  

Gustavo instalou uma porta automatizada, trazendo mais conforto ao morador. Segundo o síndico, o valor do investimento não foi significativo em comparação à arrecadação mensal do condomínio de classe média. Mesmo assim, houve quem não se conformasse por ele não ter escolhido um modelo mais simples, como a porta “bang bang”, e chegou a processá-lo. Ao mesmo tempo, moradores das outras três torres gostaram tanto da praticidade da mudança que reivindicaram portas iguais. “A automação da porta foi bem-vinda porque atende a muita gente, como idosos com andador, mães com carrinho de bebê, moradores com carrinho de feira e outros”, explica.  

Ainda nesse condomínio, mais tarde, com outros moradores em cadeira de rodas — por deficiência e obesidade —, foi a vez de tornar a piscina coberta inclusiva, por meio de uma rampa de acesso e da aquisição de uma cadeira de transferência. “Uma das prerrogativas do síndico é dar condições para que haja um ambiente confortável e harmônico para todos”, destaca. Ele menciona ainda que, em condomínios que se preocupam com inclusão e acessibilidade, ocorre uma valorização social que se reflete na valorização patrimonial.  

Agora, Gustavo se dedica a um estudo em condomínio de grande porte em Barueri, que possui um acesso principal para uma rua e uma saída inativada para outra. Esta segunda seria mais viável para quem usa transporte público ou leva filhos e netos a um colégio localizado nessa via. “Hoje as pessoas precisam dar uma longa volta a pé, inclusive os idosos, e a reativação desse acesso permitirá que cortem caminho. Contudo, a saída inativada não fica no nível da rua, por isso estamos avaliando se iremos instalar um elevador ou construir uma rampa. Os moradores concordam com o investimento. Quando o síndico acredita no propósito de uma obra de acessibilidade, fica mais fácil obter a aprovação da comunidade”, constata. 

Recentemente, nesse mesmo condomínio, Gustavo foi procurado por uma mãe de uma criança neurodivergente, com síndrome de Down e autismo, que precisava de um local absolutamente silencioso para que uma terapeuta pudesse atender o filho algumas vezes por semana. “Fiquei comovido com a dor daquela mãe e abri uma exceção para que o atendimento fosse realizado em um espaço menos utilizado pelos moradores. Para mim, se não houver prejuízo ao condomínio, cabe ao síndico ajudar em determinadas situações”, arremata.  

Palestras e campanhas  

O advogado condominialista Alex Garcez é pai de Arthur, de 4 anos, uma criança neurodivergente, com síndrome de Down. “Essa condição despertou minha atenção para a forma como os condomínios se relacionam com famílias com crianças autistas, por exemplo, e pessoas com deficiência. Muitas situações acabam no Judiciário em razão da falta de sensibilidade por parte do condomínio. É importante que as pessoas saiam da bolha. O síndico, como líder, pode contribuir para uma convivência respeitosa e integradora”.  

Alex mora em Campo Grande (MS), mas desenvolve um trabalho social ministrando palestras sobre inclusão e acessibilidade em eventos para síndicos em várias cidades do país, como São Paulo. “É importante que o síndico atue, que promova campanhas dentro do condomínio, que dê voz a uma mãe atípica alguns minutos antes de uma assembleia ou organize uma palestra com um profissional de saúde. São movimentos que, aos poucos, vão transformando a mentalidade do condomínio”, orienta.  

O advogado sugere ainda que os síndicos realizem uma espécie de censo interno para identificar as necessidades dos moradores e, assim, adotem posturas e políticas mais agregadoras. Falando em Censo, ele lembra que o Brasil está prestes a se tornar o quinto país do mundo com maior população idosa e reforça que os condomínios mais antigos devem se preparar para essa realidade. “Acessibilidade não é apenas para pessoas com deficiência. É para todos. É também para o idoso que comprou seu imóvel há 40 anos e já não consegue mais subir degraus na área comum. Precisamos garantir que continuem usufruindo integralmente do condomínio, pois esse é um direito deles”, finaliza.


Legislação e Acessibilidade  

Acessibilidade em condomínios não é apenas uma questão de respeito e conforto, mas também um dever legal, destaca o advogado condominialista Thiago Natalio, intérprete de Libras. Ele lembra que diferentes leis, decretos e normas técnicas tratam do tema. Confira os principais:   

• Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) / Lei Brasileira de Inclusão (LBI): garante, entre outros direitos, que pessoas com deficiência tenham acesso irrestrito tanto aos espaços comuns quanto às unidades residenciais.  

• Decreto nº 9.451/2018: determina que novos residenciais sejam projetados de forma acessível. As construtoras devem assegurar que as unidades possam ser convertidas em versões adaptadas e que as áreas comuns contem com sinalização tátil e vagas reservadas para pessoas com deficiência (PCDs).  

• Artigo 57 da LBI: estabelece que edificações já existentes têm o dever legal de se adaptar para garantir acessibilidade em todas as suas dependências. “Na prática, no entanto, há barreiras de adaptação, tanto estruturais quanto de consenso entre moradores, além dos custos envolvidos. Ainda que especialistas defendam a dispensa de aprovação em assembleia (por se tratar de exigência legal), é recomendável envolver os condôminos em debates, conscientização e planejamento”, orienta Thiago.  

• Decreto nº 5.296/2004 e Lei nº 10.098/2000: fixam critérios gerais sobre acessibilidade em edificações, transporte e mobiliário urbano.  

• NBR 9050/2015, da ABNT: define parâmetros técnicos para projetos acessíveis, como rampas, pisos táteis, largura de portas, sinalização em braile e iluminação adequada.


AGRADECIMENTO AOS ENTREVISTADOS

Na ordem, de cima para baixo: Marcela Volpato, Gustavo Moretti, Alex Garcez e Thiago Natalio  


Matéria publicada na edição 135 set/25 da Revista Direcional Condomínios

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