A (in)constitucionalidade do projeto condominial anunciado pelo empresário Pablo Marçal

O cenário imobiliário brasileiro recebeu com surpresa o anúncio de um inovador projeto imobiliário lançado pelo político, empresário e influencer Pablo Marçal.

O projeto indica a construção de um condomínio de luxo na cidade de Pirenópolis, estado de Goiás, denominado Riviera da Comenda, o qual deverá contar, inicialmente, como 30 unidades residenciais, para além das áreas comuns caracterizadas pela presença de espaços um tanto arrojados, tais como pista especial para jatinhos, praças com playground, trilhas privativas, escola e academia de última geração.  

A escolha do local não parece ter sido aleatória, visto que o mercado imobiliário de Pirenópolis, a “Europa do estado de Goiás”, segundo Marçal, encontra-se em processo de ampla expansão, atraindo o olhar e a atenção de milhares de investidores.

Há ainda na aprazível cidade goiana uma destacada posição geográfica estratégica, demarcada pelo equilíbrio entre preservação do meio ambiente e estímulo ao desenvolvimento econômico.

Contudo, o aspecto mais polêmico do novo condomínio diz respeito ao processo seletivo dos futuros adquirentes, o qual intenta buscar pessoas com “identidade espiritual e ideológica”, tendo como escopo a realização de “networking” entre agentes que tenham como aspiração em comum a “busca pela prosperidade”.

Condomínios estruturados a partir de um público específico não são novidade em países como os Estados Unidos onde, por exemplo, em Nova York, cidade que concentra a maior comunidade judaica fora de Israel, autoriza-se que o “board” (conselho condominial) defina que naquele edifício devam residir exclusivamente judeus. Em Londres, verificam-se condomínios exclusivos para muçulmanos, bem como outros, somente de proprietários cristãos.

O que diz nossa lei

No Brasil, projetos com tais características hão de se deparar com sérios e graves impasses jurídicos, posto que a Constituição Federal brasileira, de um lado, enaltece o pluralismo e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III e V, CF), e de outro, estabelece como um dos objetivos fundamentais da República, a promoção do bem comum, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.  (art. 3º, V, CF).

A Carta Magna irradia para todo o ordenamento jurídico (no qual se encontra inserido o Código Civil brasileiro, lei de regência dos condomínios edilícios) a força normativa de seus preceitos, tornando absolutamente inconstitucional qualquer iniciativa demarcada por ações de exclusão, especialmente sob o pretexto de uma identidade ideológica, religiosa, política ou filosófica.

É da índole do Estado de Direito constitucional estimular a iniciativa privada, as relações de consumo e a economia nacional, contudo, ações demarcadas por notas discriminatórias ou preconceituosas são vedadas pela Constituição da República, de onde se deflui que tanto empresários e empreendedores, como os futuros adquirentes ou condôminos, devam conhecer, de antemão, a orientação constitucional relativamente a “condomínios exclusivos”, sob pena de terem de arcar com efeitos consequenciais indesejáveis, próprios de empreitadas temerárias, evidenciadas por impensados atentados à ordem jurídica.

Autor

  • Vander Ferreira de Andrade

    Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Pós-Doutor em Direito Constitucional Europeu pela Universidade de Messina (Itália). CEO do “Instituto Vander Andrade” (Cursos de Direito e Gestão Condominial).