Pelo fim da violência doméstica nos condomínios

Maria da Penha

Neste Agosto Lilás, trazemos entrevista com Maria da Penha, cuja história deu voz a milhões de mulheres, além de abordarmos a responsabilidade dos condomínios no combate à violência doméstica

O mês de agosto, em âmbito federal, é dedicado à Campanha Agosto Lilás, com o objetivo de conscientizar sobre a violência contra a mulher. A escolha do mês não foi por acaso: agosto marca a sanção da Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340/2006), reconhecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) como uma das legislações mais avançadas do mundo no enfrentamento da violência doméstica. A causa exige empatia, solidariedade e atitude. A violência se manifesta em lares pobres ou ricos, envolvendo pessoas com alta ou baixa escolaridade. Aos olhos da sociedade, o agressor pode parecer um sujeito simpático, mas se revelar um ser abjeto dentro de casa.

É fundamental estarmos atentos. Às vezes, o grito silenciado da vítima está estampado na palma da mão, com um “X” vermelho desenhado com batom. Noutras, os pedidos de socorro podem ser mais explícitos. Em condomínios, denúncias devem ser feitas de forma discreta e segura — há alternativas como canais especializados (mencionados ao final da reportagem), o canal da administradora, aplicativos, entre outros. O grupo de WhatsApp dos moradores, definitivamente, não é um deles; expõe a vítima, entre outras consequências.

Para Maria da Penha Maia Fernandes, 80 anos, “quando a violência acaba, a vida recomeça.” Nascida em Fortaleza, formou-se farmacêutica-bioquímica pela Universidade Federal do Ceará e fez mestrado na Universidade de São Paulo. Foi na USP, em 1974, que conheceu um aluno colombiano, pós-graduando em Economia — o então cativante e amável Marco Antonio Heredia Viveros. Casaram-se, tiveram uma filha e, em 1976, passaram a morar em Fortaleza. O casal teve ainda mais duas meninas e, à medida que Marco Antonio conquistava a cidadania brasileira e crescia na carreira, foi se revelando uma pessoa explosiva e violenta.

Em 1983, Maria da Penha ficou paraplégica ao ser baleada nas costas pelo marido enquanto dormia. Meses depois, ele tentou eletrocutá-la durante o banho. Após lutar durante anos pela prisão do agressor, Maria da Penha levou seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que responsabilizou o Brasil pela negligência diante da violência de gênero. Em 2002, 19 anos após o crime hediondo, Marco Antonio foi condenado a oito anos de prisão — e cumpriu apenas dois. A denúncia internacional resultou na criação da Lei Maria da Penha, que neste mês completa 19 anos. Confira a entrevista com a ativista social que dá nome à lei.

Direcional Condomínios – Depois de sobreviver a tentativas de feminicídio, como a senhora encontrou forças para lutar veementemente pela prisão de seu algoz?

Maria da Penha – Eu me senti órfã da justiça. Senti-me muito fragilizada e decepcionada quando, ao final do primeiro julgamento do meu agressor, ele foi condenado, mas saiu do fórum em liberdade por conta de recursos. Nesse momento, eu até pensei em desistir, mas o movimento de mulheres do estado do Ceará me apoiou e me incentivou a escrever um livro, e então escrevi o livro “Sobrevivi… Posso Contar”. Nesse livro, coloquei todas as contradições do réu e todo o processo e pensei: se a justiça não foi capaz de condená-lo, quem ler esse livro vai ser. E foi uma das decisões mais acertadas da minha vida. Foi através desse livro que o meu caso chegou às esferas internacionais, e o Brasil foi “responsabilizado” pela tolerância com que tratava os casos de violência doméstica no país e foi “obrigado” a mudar as suas leis. A partir daí, foi criado o ambiente da Lei 11.340/06, que foi batizada com o meu nome e que veio para resgatar a dignidade da mulher brasileira.

DC – A Lei Maria da Penha está fazendo 19 anos. O que significa para a senhora ver, depois de quase duas décadas, uma lei que leva seu nome protegendo tantas mulheres todos os dias?

Maria da Penha – É muita responsabilidade estar viva e dar nome a uma lei. Porém, sinto-me muito honrada e totalmente comprometida com esta causa, que mata as nossas mulheres e deixa órfãs as nossas crianças. Sou muito grata aos movimentos de mulheres da minha cidade e do meu país, que fortaleceram a minha busca por justiça e continuam me acompanhando nesta luta.

DC – Vivemos uma epidemia de violência contra a mulher ou o problema sempre existiu, porém agora estamos mais conscientes e as múltiplas mídias trazem maior visibilidade à questão?

Maria da Penha – Infelizmente, a violência doméstica sempre existiu. O crescimento das denúncias mostra que as mulheres se sentem mais encorajadas a realizar essa denúncia depois do advento da Lei Maria da Penha.

DC – Existe um perfil comum de agressor para que a mulher se reconheça em um relacionamento abusivo?

Maria da Penha – Acredito que exista um perfil de relacionamento abusivo. As mulheres que passam por violência doméstica estão, em algum momento, no ciclo da violência, mas muitas vezes nem reconhecem. O ciclo da violência se caracteriza pela fase da tensão: muita violência psicológica e agressão verbal; fase do episódio de violência: acontece a violência física ou até sexual; e a fase da lua de mel: quando a pessoa agressora pede desculpas e diz estar arrependida. Mas, infelizmente, esse ciclo se repete por anos. Por isso, é tão importante que as mulheres saibam reconhecer os tipos de violência doméstica que estão na Lei Maria da Penha e reconhecer as fases do ciclo da violência, para que consigam rompê-lo o quanto antes, pois sabemos que a última instância desse ciclo pode ser o feminicídio.

DC – Em condomínios, as pessoas convivem próximas, compartilham espaços, e muitas vezes sabem de casos de violência doméstica, mas preferem se omitir. Qual mensagem a senhora gostaria de deixar para vizinhos que percebam a ocorrência desse grave problema?

Maria da Penha – Gostaria de dizer que todas as pessoas podem assumir o seu papel de transformadoras sociais. Se você conhece alguém que está passando por violência doméstica, saiba que todos nós podemos fazer parte da rede de uma mulher em situação de violência. Pelo número 180, você pode denunciar, fazer uma denúncia anônima, tirar dúvidas sobre a lei, perguntar onde fica uma delegacia mais próxima. Esse número funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Denuncie! Quando a violência acaba, a vida recomeça!


Violência doméstica: condomínios não podem se calar

Maria Isabel Oliveira é advogada imobiliarista e fundadora do Instituto Educacional Encontros da Cidade, em São Paulo. Uma das conquistas da entidade, justamente, foi ter contribuído para que o dia 22 de novembro fosse oficializado, por meio da Lei Municipal nº 17.957, como o Dia do Combate à Violência nos Condomínios, devido ao 1º Encontro de Combate à Violência Doméstica e Familiar em Condomínios ter sido promovido pelo instituto em 22/11/2022, na Câmara Municipal. “Essa data convida à reflexão sobre a violência doméstica, fomenta campanhas e fortalece a cultura de prevenção dentro dos condomínios”, pontua Maria Isabel.

A advogada ressalta a responsabilidade coletiva no enfrentamento da violência doméstica, além de enfatizar a importância determos no Brasil uma lei como a Lei Maria da Penha, que completa19 anos. “É um marco histórico na proteção à mulher; essa lei trouxe visibilidade pública e mecanismos eficazes para o enfrentamento da violência doméstica. Foi responsável por criar redes integradas de acolhimento, medidas protetivas e mecanismos de responsabilização de agressores.

”Denunciar casos de agressão é um ato de empatia e cidadania, em conformidade com o artigo 144 da Constituição Federal, que estabelece a segurança pública como dever do Estado e responsabilidade de todos. “Nos condomínios, esse compromisso é reforçado pelo artigo 1.336, inciso IV do Código Civil, que impõe aos condôminos o dever de zelar pela segurança, salubridade e sossego coletivo”, observa a advogada. Assim, ao presenciarem ou mesmo suspeitarem de episódios de violência contra a mulher, os moradores devem comunicar os fatos à administração condominial e às autoridades competentes.

Em São Paulo, a Lei Estadual nº 17.406/2021 determina que síndicos e administradores comuniquem imediatamente à Delegacia da Mulher ou a órgão de segurança pública sobre ocorrência ou indício de violência doméstica/familiar contra mulheres (e crianças, adolescentes e idosos). No município, a Lei nº 17.803/2022 exige que condomínios residenciais comuniquem, em até 24 horas, casos ou indícios de violência doméstica contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. A norma prevê, ainda, a colocação de cartazes com informações sobre canais de denúncia.

Afixar cartazes, além de estarem conformidade com a legislação, deixa implícito que o condomínio não compactua com violências e “está de olho” em possíveis agressores.

Veja, a seguir, quais são os canais oficiais para denúncias.180 – Central de Atendimento à Mulher;

100 – Disque Direitos Humanos (relacionado a diversos grupos vulneráveis);

190 – Polícia Militar (situação de emergência – quando está acontecendo);

197 – Polícia Civil (registro de ocorrência);

Delegacia da Mulher local e Ministério Público – (presencial).


Agradecimento à entrevistada

Maria Isabel Oliveira, advogada imobiliarista e familiarista na Advocacia Cristiano De Souza



Matéria publicada na edição 314 ago/25 da Revista Direcional Condomínios

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