Sandra Barros, 48 anos: ex-porteira, ela administra 15 condomínios
“Entrei na vida condominial pela portaria. Conto para todo mundo que já fui porteira de um residencial, o que me serviu de base para construir uma carreira focada em condomínios. Desde 2016, atuo como síndica preposta de um edifício empresarial no Tatuapé, com 80 conjuntos. Mas, na verdade, eu sou a pessoa que resolve, que está ali para que tudo funcione bem, porque a síndica assim o determinou — ela é CEO da construtora desse edifício e conhece o meu perfil pragmático desde a implantação, quando ingressei como recepcionista. Sou também síndica profissional em 14 condomínios residenciais novos. São prédios de até 50 unidades, onde pratico gestão humanizada. Na parte técnica, me faz bem intermediar resoluções de vícios construtivos e tranquilizar os moradores.
Lidar com condomínios é complexo. Fiz vários cursos: de zeladoria, de elétrica, de sindicatura e de mediação de conflitos. Quando os moradores enfrentam problemas de vizinhança, eu os encorajo a me procurar; posso ajudá-los sem que precisem se expor diretamente. Cursei Recursos Humanos e estudo Direito. Estou me qualificando para, futuramente, dar treinamentos na área condominial. Percebo que muitos síndicos chegam despreparados ao mercado. A sindicatura é atrativa, mas requer conhecimento para evitar destituições, depreciação imobiliária e acidentes. Meses atrás, interditei uma área kids recém-entregue. Frustrei a expectativa de mães e crianças, mas eu precisava agir, pois havia riscos.
A minha gestão é de empatia e amor ao próximo. Sei de onde vim e não abro mão de trabalhar de forma honesta e justa. Gostaria que o setor de terceirização investisse mais em treinamento e remuneração de trabalhadores da linha de frente, como porteiros, manobristas e auxiliares de limpeza. Mas nós, síndicos, também precisamos criar um ambiente acolhedor para esses profissionais. No meu emprego de porteira, fui muito bem tratada e, hoje, ajo da mesma forma. No edifício empresarial, por exemplo, todos são terceirizados, mas estão comigo há anos, não faltam e sabem o valor da empatia nas relações. O nosso atendimento é referência no bairro. Até o morador de rua que pede água aos manobristas fica satisfeito, pois temos o hábito de reaproveitar garrafas PET, higienizá-las e armazená-las com água filtrada e geladinha para essa finalidade.
A sindicatura me consome de 12 a 14 horas por dia, mas eu amo o que faço e sou muito grata a Deus e às pessoas que me abriram portas nesse segmento. Sou grata também aos condôminos, os quais vejo como bênçãos na minha vida, pois, sem eles, não haveria trabalho, que é o meu sustento. O trabalho me dá condições de pagar, junto com meu ex-marido, a faculdade de Odontologia da nossa filha, Giovana Audrey; de morar com segurança em um condomínio no Ipiranga e de ter meu carro — conquistado após os 40 anos — para visitar meus condomínios. E tudo isso porque, num belo dia de março de 2013, o meu pai me ligou dizendo que um amigo dele, zelador de um condomínio-clube de alto padrão no Tatuapé, precisava de uma porteira comunicativa.
O meu pai, o saudoso senhor Antonio Barros, foi porteiro e vigilante a vida inteira. Quando eu era mais jovem, olhava para ele com orgulho e dizia: ‘Quero ser vigilante também!’. Não fui; ele não queria que eu pegasse em armas, e eu o obedeci. Trabalhei no crediário das Lojas Marabraz e, depois, na GA.MA Italy, multinacional do ramo de pranchas e secadores de cabelo, onde tive êxito atuando como representante comercial — tanto que, em 2012, fui premiada com um cruzeiro pela costa brasileira por haver ficado em 12º lugar no ranking de vendas no Brasil. Na época em que meu pai me sugeriu o emprego de porteira orgânica, eu já não atuava mais na área de vendas. Aceitei, então, encarar um novo desafio. Eu podia não ter experiência em portaria, mas me sobrava habilidade para lidar com pessoas.
“Sou alguém que compreende alguns processos da vida e deseja cuidar do bem-estar dos outros, o que está alinhado com a minha escolha profissional”
Comecei a trabalhar no condomínio, admirada com o potencial do setor. O síndico percebeu meu espírito de liderança e cogitou me promover a zeladora, pois o zelador se mudaria em breve. Porém, houve eleição para síndico, e o novo gestor me disse que mulher não poderia exercer a função de zeladora. Por causa desse “não”, eu fui longe! Pedi demissão, trabalhei com previdência privada – ganhando mais – e, com isso, pude investir no curso de sindicatura da professora Rosely Schwartz. Aliás, esse era o meu sonho desde que o advogado que cuidou do meu divórcio, na época em que eu trabalhava na portaria, havia me incentivado a me tornar síndica profissional e recomendado o curso da dela.
Sabendo do meu interesse pela área, uma condômina do residencial me indicou para trabalhar em um edifício empresarial ainda em fase de implantação. O trabalho era na recepção, mas enxerguei potencial de crescimento. No início, tive de lidar com condôminos teimosos, que queriam acessar o edifício sem realizar o devido cadastramento. Eu era firme, porém gentil, e conquistei o respeito deles. No início de 2023, comecei a administrar, paralelamente, condomínios residenciais, após um comentário que fiz no Instagram. Um casal de síndicos leu a publicação, quis me conhecer e me indicou como síndica para dois condomínios pequenos. Por meio de indicações, a minha carteira foi crescendo nesse nicho.
Sou a prova de que é possível crescer. Superei muitos obstáculos desde cedo. Sou nascida em São Paulo. O meu pai conheceu a minha mãe, diarista, no prédio em que ele era vigilante, em São Paulo. Casaram-se, tiveram a mim e minha irmã, mas logo se separaram — mais tarde, constituíram novas famílias. Logo após eles se separarem, morei em habitações precárias na zona oeste, porque a minha mãe vivia com o dinheiro das faxinas e da pensão do meu pai. Depois nos mudamos para uma casa melhor, que ela alugou da patroa, na zona leste. Tudo era simples, mas limpo e organizado. Carne em casa era só aos domingos, mas, como ela cozinhava bem, quase sempre tinha algo gostoso à mesa durante a semana.
Na adolescência fomos morar na Praia Grande porque a minha mãe ganhou um terreno da patroa. Aos 18 anos, mudei-me para o Nordeste para ficar com meu pai e a nova família deles, e após algum tempo, vim com eles para São Paulo. Tive um passado nômade – muitas moradas, muitas escolas – e com limitações financeiras, mas isso me fez forte. “Sou alguém que compreende alguns processos da vida e deseja cuidar do bem-estar dos outros, o que está alinhado com a minha escolha profissional.”
Matéria publicada na edição 312 jun/25 da Revista Direcional Condomínios
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Jornalista apaixonada desde sempre por revistas, por gente, pelas boas histórias, e, nos últimos anos, seduzida pelo instigante universo condominial.