Este ano farei 100 anos, mas me sinto bem como síndica

Moralina Sampaio de Lima, 99 anos, é síndica desde 1998

“Sou de Taquaritinga, no interior de São Paulo, mas passei a maior parte da minha vida em cidades do ABC. Morei em São Caetano, Santo André e hoje vivo em São Bernardo, em um condomínio onde sou síndica há 26 anos. Em outubro próximo, farei 100 anos se Deus assim o permitir, mas me sinto muito bem atuando como síndica. Minha vizinha de porta tem 103 anos, e brinco com ela: ‘Dona Elisa, acho que Deus não quer a gente’. Tenho um problema na coluna, que dificulta a minha locomoção, porém a minha mente é ótima!

 

Síndica Moralina Sampaio de Lima

Durante a semana, despacho diariamente, alternando entre o escritório do prédio e o de casa, que montei na pandemia. O condomínio possui quatro torres autônomas, cada qual com o seu síndico, e existe um quinto síndico para áreas comuns, como piscina e espaço gourmet. Anos atrás, cheguei até a assumir esse posto, além da gestão da minha torre, mas foi só enquanto resolvia um problema pontual.

Para ser síndica, uma pessoa precisa ser compreensiva, econômica, organizada, e responsável com finanças. Nem sei se sou tão qualificada, mas algo de bom devo ter. Porém, me cerco de pessoas competentes no conselho e de uma boa administradora.

Nas minhas gestões, aprovei obras e benfeitorias como a reconstrução das vagas de garagem (com alvenaria e telhas calhetão); modernização completa dos elevadores; reforma elétrica e do salão de festas; instalação de gás encanado; atualização de câmeras; implantação de sala de ginástica, bicicletário, entre outras. Os jardins da torre são bem cuidados e a fachada é pintada a cada cinco anos. E sempre que uma unidade é desocupada, aproveitamos para trocar as prumadas hidráulicas.

Eu não me sinto cansada com as demandas, tenho prazer em receber condôminos e fornecedores. O que eu não gosto é de domingo porque é um dia parado; para me distrair, faço macramê. Aprendo técnicas de arte sozinha, em livros e revistas. Já pintei vários quadros, alguns doei ao condomínio. Também sou meio autodidata na alfabetização, não tive educação formal. Mas adoro ler, sou boa com números e confiro minuciosamente as pastas do condomínio.

Meu pai era fiscal tributário de café e a minha mãe tinha pensão, mas ele morreu cedo e a deixou com quatro filhos: dois meninos mais velhos, a caçula e eu, com 3 anos. Minha mãe me matriculou na escola, mas me tirou um ano depois porque precisava da minha ajuda no preparo das refeições, em fogão a lenha, tudo muito rudimentar. Assim, aprendi a cozinhar muito bem, tanto que depois de me tornar síndica, preparei vários almoços no salão de festas para integrar os moradores.

Engraçado que por causa de minha passagem pela escola, soube que eu não me chamava Mercedes, nome pelo qual sou conhecida até hoje, mas sim Moralina, nome com o qual meu pai me registrou. A minha mãe não gostou, exigiu que ele voltasse ao cartório e trocasse por Mercedes, e ele apenas fez de conta que havia atendido ao pedido dela.

A minha mãe casou-se de novo e teve três filhas, mas ainda no recomeço de sua vida conjugal, eu e meus irmãos mais velhos fomos morar com meu avô, dono de uma pequena fábrica de móveis de taboa. A gente trabalhava trançando essa palha. Aos 17 anos, mudei-me para a casa de uma tia em São Caetano e logo conheci o Osvaldo em um baile de Carnaval. Namoramos por dez anos até ele se estabelecer como contador, aí nos casamos. Antes, trabalhei em fábricas e no comércio, como caixa. Após o casamento, ele exigiu que eu cuidasse apenas do lar e, depois, de nossos filhos, Teodoro, que veio a cursar Direito, e Osvaldo Júnior, que se formou em Comércio Exterior. 

Meu marido era bom, porém machista: mulher não podia estudar, dirigir, trabalhar. Que bom que o mundo mudou! Acho ótimo termos mulheres em todas as profissões, porque são detalhistas e muito capazes – no condomínio, temos porteira, jardineira, e a maior parte do meu conselho é feminina. Tenho quatro netas formadas, três advogadas e uma médica – os homens vieram na geração seguinte, um bisneto e um tataraneto. Eu gostaria de ter sido advogada, delegada ou juíza. Gosto de leis, de tudo certinho, talvez seja uma essência da minha gestão. O prédio tem 60 unidades e me dou bem com quase todo mundo, mas às vezes é necessário lembrar os condôminos de algumas regras. Porém, multas, tenho orgulho de ter aplicado somente duas em todos esses anos.”

Moralina Sampaio de Lima, em depoimento a Isabel Ribeiro

Matéria publicada na edição 298 mar/24 da Revista Direcional Condomínios

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