Introdução
O mercado imobiliário brasileiro tem testemunhado a ascensão de uma tipologia de empreendimento que redefine o conceito de condomínio edilício: o “condomínio-clube”. Caracterizados por uma infraestrutura robusta de lazer e serviços, tais complexos prometem um ecossistema de conveniência e segurança. Todavia, sob a ótica jurídica e de gestão, essa magnitude de escala e complexidade operacional engendra desafios significativos, demandando dos profissionais do direito, incorporadores e administradores uma expertise que transcende o trivial.
1. Da incorporação e instituição: o rigor normativo
A gênese de um condomínio-clube submete-se a um rigoroso arcabouço legal, notadamente a Lei nº 4.591/64 (Lei de Incorporação Imobiliária), o Código Civil, além de normas regulamentadoras e leis municipais. O condomínio em si possui uma singularidade e complexidade em relação aos demais condomínios, por isso é de suma importância que sua estruturação e regras estejam definidas para evitar dissabores legais. Assim, a regularidade do empreendimento é condicionada ao prévio registro do memorial de incorporação no fólio real, documento basilar que detalha exaustivamente as especificações técnicas da obra e a discriminação das áreas autônomas e comuns. Bem como, de igual importância, é a elaboração da convenção de condomínio. Este instrumento deve ser concebido com notável precisão e capacidade preditiva, estabelecendo não apenas as normas estruturais de governança e administração, mas também as regras de custeio e utilização do complexo de lazer, serviços e segurança.
2. Áreas de utilidade: implicações jurídicas da expansão de escopo
O principal atrativo do condomínio-clube é o diferencial de lazer, comodidade e experiências exclusivas.
A integração e autorização de funcionamento de estabelecimentos comerciais, como lojas e boulevards, deve estar expressamente autorizada na convenção e em conformidade com a legislação de uso e ocupação do solo do município. A gestão do fluxo de não residentes torna-se um ponto nevrálgico, exigindo um robusto e sofisticado sistema de controle de acesso para a salvaguarda da segurança dos condôminos e possuidores.
Nesse sentido, o condomínio precisa implementar uma segurança sofisticada, estar atento às regras de funcionamento local e aplicar o disposto na legislação doméstica. Em adição, impor regras claras ao uso e funcionamento desses estabelecimentos e aos funcionários é de suma importância, para que o condomínio não caia em armadilhas de responsabilização trabalhista, civil (responsabilidade em caso de algum caso fortuito) ou criminal (em caso de crime cometido no interior do estabelecimento).
Ademais, condomínios-clube vêm buscando, além do lazer, a praticidade e a segurança dentro destas minicidades, implementando escolas particulares para comodidade de quem ali reside.
A inclusão de estruturas como escolas ou centros comerciais impõe ao condomínio um feixe de obrigações que extrapolam sua função residencial precípua, pois a instalação de uma unidade escolar no perímetro condominial exige a obtenção de todas as licenças operacionais perante os órgãos municipais e estaduais, além da estrita aderência às diretrizes do Ministério da Educação (MEC). No que tange à responsabilidade civil, embora a instituição de ensino seja a responsável primária por eventos danosos em suas dependências, o condomínio pode ser chamado a responder solidariamente, caso se comprove nexo causal entre o dano e uma falha em seus deveres de guarda e manutenção das áreas comuns de acesso.
Por isso, a atenção em estabelecer regras e responsabilidades ao alcance do condomínio.
3. Segurança
Outra questão a ser explorada é a segurança, que é o pilar de sustentação da proposta de valor desses empreendimentos. A implementação de um sistema de segurança eficaz demanda a integração de tecnologias de alto padrão com o elemento humano.
Controle de acesso: a adoção de um modelo híbrido de portaria (física e remota) tem se mostrado eficaz. Para os condôminos, tecnologias como biometria facial, autorização via aplicativo com senha rotativa e QR Codes dinâmicos oferecem celeridade e segurança mais robustas, com menos chance de clonagem e ataques cibernéticos. Para terceiros (visitantes e prestadores de serviço), o protocolo deve envolver o pré-cadastro validado pelo condômino, gerando credenciais de acesso temporárias e rastreáveis, em plena consonância com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados.
4. Mobilidade atípica: a questão de helipontos
Empreendimentos de altíssimo padrão aventam a possibilidade de implementação de helipontos. Tal diferencial, contudo, implica desafios jurídicos e operacionais de grande vulto, incluindo o complexo processo de licenciamento junto à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e aos órgãos ambientais, bem como a gestão do impacto sonoro e dos riscos operacionais inerentes à atividade aeronáutica em ambiente residencial. O heliponto é um ponto de acesso que, se não for rigorosamente controlado, representa uma vulnerabilidade significativa para a segurança do condomínio. É imperativo estabelecer um perímetro de segurança restrito, com controle de acesso biométrico ou por cartão, monitoramento por CFTV dedicado e equipe de solo treinada. A operação deve ser coordenada com a central de segurança do condomínio, com a exigência de submissão prévia de planos de voo, identificação completa de tripulação e passageiros e um protocolo estrito para embarque e desembarque. A governança desta estrutura deve ser meticulosamente detalhada nos instrumentos normativos do condomínio. Na convenção condominial deve-se classificar o heliponto como área comum de uso restrito, estabelecendo os critérios gerais para sua utilização e, fundamentalmente, a forma de rateio das suas despesas fixas e variáveis (manutenção, seguro de responsabilidade civil específico para a operação, pessoal, taxas). No regimento interno, deve-se ter regras claras de como a atividade será desenvolvida, com horários de funcionamento, autorização e conhecimento prévio de condôminos e visitantes que estarão na aeronave, dentre outras cautelas. A assessoria especializada nestes casos se mostra insubstituível, pois o sucesso, a comodidade e a segurança dos condôminos dependerão de uma estrutura organizacional bem realizada, a fim de evitar ações e responsabilidades administrativas e judiciais.
5. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
A profusão de sistemas de segurança e gestão converte os condomínios-clube em relevantes repositórios de dados pessoais. A adequação à Lei nº 13.709/18 (LGPD) é, portanto, imperativa e inafastável.
O condomínio, na qualidade de controlador de dados, deve instituir um programa de governança e compliance, que inclui a nomeação de um encarregado (DPO), a elaboração de relatórios de impacto à proteção de dados (RIPD) e a criação de políticas claras e acessíveis. A responsabilidade se estende à seleção de seus fornecedores (empresas de segurança, administradoras etc.), qualificados como operadores de dados.
É oportuno estabelecer, nos contratos de prestação de serviço, cláusulas específicas de proteção de dados, delimitando as obrigações do operador e as garantias técnicas oferecidas. O dever de diligência do síndico e da administradora na contratação (due diligence) abrange a verificação da robustez tecnológica da solução ofertada. O fornecedor deve garantir, contratualmente, a aplicação de medidas de segurança da informação de ponta, como criptografia e “security by design”, sob pena de responder solidariamente por eventuais incidentes de segurança decorrentes de falhas em seus sistemas.
6. A agenda ESG (Environmental, Social and Governance) impõe aos novos empreendimentos uma postura proativa.
A implementação de tecnologias sustentáveis, como sistemas de captação de água pluvial, geração de energia fotovoltaica e compostagem, não só mitiga o impacto ambiental, como também pode representar, a médio e longo prazo, uma significativa redução nas despesas condominiais.
Na flora, o condomínio precisa ter uma atenção redobrada. A supressão ou poda de espécimes arbóreos, máxime os nativos, depende de prévia autorização do órgão ambiental municipal competente, mediante apresentação de laudo técnico. A intervenção desautorizada sujeita o condomínio e o síndico a sanções administrativas, cíveis (obrigação de reparar o dano) e, a depender do caso, criminais, nos termos da Lei nº 9.605/98. A gestão da fauna silvestre residente ou visitante deve ser feita em colaboração com os órgãos ambientais, coibindo-se a interferência dos condôminos e com planejamento desde a incorporação do condomínio, a fim de evitar dano ambiental ou contato direto com espécies nativas.
Os condomínios-clube representam um paradigma de alta complexidade jurídica e administrativa. O sucesso e a perenidade de tais empreendimentos estão intrinsecamente ligados a uma estruturação jurídica sólida, a uma governança corporativa diligente e a uma gestão profissionalizada, capaz de antever e mitigar riscos. Para os profissionais que atuam neste nicho, a especialização e a atualização contínua não são diferenciais, mas sim condições essenciais para a prestação de um serviço de excelência e para a proteção dos interesses de seus clientes.