Condomínio ou palco de bizarrices?  

CondoCausos

Confira situações que parecem mais com ‘histórias de pescador’, mas que são reais  

Algumas efervescências do mundo externo agitam o ambiente condominial, como futebol e política, só que, às vezes, as pessoas endoidecem.    

André Mantovani,
síndico profissional


Durante anos, administrei um grande condomínio na zona leste, onde havia um verdadeiro Fla-Flu político. No centro da edificação, formada por sete torres altas, existe uma praça e, tal como acontece em ruas de bairros, mantínhamos o hábito de pintá-la em épocas de Copa do Mundo, junto com as crianças. Em 2022, para a ‘Copa do Catar’, pintamos no piso de concreto a bandeira do Brasil, a taça, a mascote La’eeb – o ‘fantasminha’, lembram? – e adicionamos à decoração os anos em que o Brasil se tornou pentacampeão, mencionando apenas os dois últimos dígitos: por exemplo, 58 em referência a 1958; 62 em menção a 1962, e assim por diante. Acontece que, na expectativa de conquistarmos o hexacampeonato, pintamos, junto à bandeira do Brasil, o número 22, simbolizando a futura conquista da Copa em 2022. Então… o hexa, lamentavelmente, não veio. O que veio foi gente equivocada! 

Uma moradora me procurou para me acusar de usar o dinheiro do condomínio para fazer propaganda política, porque, no entendimento dela, o ‘22’ pintado no chão se referia ao número de um dos candidatos que disputavam a presidência da República naquela ocasião. Mas a coisa não parou por aí. Havíamos pintado a mascote da Copa, branca e esvoaçante (referência a um lenço árabe masculino), dentro de um grande quadrado vermelho. Pois não é que outra moradora, do alto de uma das torres, ‘enxergou’ ali na praça uma bandeira pintada? Logo, interpretou aquilo como propaganda política a favor do outro candidato e desceu furiosa. Veio até mim e disparou: ‘A minha bandeira jamais será vermelha!’.    

Nesse mesmo condomínio, palco de forte polarização política, aconteceu outro episódio que só não terminou em tragédia porque o autor da provocação não foi identificado. Pela televisão ou mesmo na vida real, já vimos discussões em que uma das partes exibe o dedo do meio para a outra, não é mesmo? Pois esse gesto foi ‘aprimorado’ com a inserção de um objeto fálico no festival de ofensas.    

Havia um morador que defendia arduamente um dos principais candidatos à presidência durante a última eleição e que sempre estava envolvido em polêmicas com vizinhos, alguns deles, por acaso, ardorosos apoiadores do outro candidato. Um dia, esse morador, ao sair do apartamento, tropeçou em um pênis de borracha ereto, com cerca de 30 centímetros, que fora afixado com velcro no capacho da unidade. Se esse mesmo senhor tivesse sido xingado com as palavras mais baixas, creio que não teria ficado tão ofendido quanto ficou. Quem pregou a presepada contava com isso.    

O morador ficou ensandecido, deu ciência do episódio a todo o condomínio, fez ameaças e disse que queria ver alguém repetir aquilo quando ele estivesse armado. Tentamos localizar o autor da grosseria, mas sem sucesso, pois poderia ser alguém de qualquer uma das torres. Para atrapalhar ainda mais a identificação, o condomínio, com mais de três décadas, contava com um monitoramento interno de câmeras antigo e insuficiente. Muitos moradores argumentavam que perderiam a privacidade diante do aumento do número de câmeras. Embora realmente pesado, esse caso ao menos contribuiu para mudar a mentalidade dos moradores, pois, a partir daí, conseguimos instalar mais equipamentos de monitoramento nas áreas comuns e em todos os pavimentos.   

Ainda sobre esse condomínio, me deparei com tantas bizarrices que, ao relatá-las a colegas de sindicatura, parecia que eu contava ‘histórias de pescador’. Havia quem jogasse garrafas PET com fezes humanas pela sacada e pessoas que despejavam dejetos de gatos pelo ralo, por exemplo. Como gestor, precisei implantar um processo de reeducação interna, e mais de uma vez, devido à grande rotatividade de inquilinos. Por um tempo, tive vergonha de administrar um empreendimento com acontecimentos tão fora do padrão, mas depois percebi que essa experiência foi como uma escola para mim – hoje, pouca coisa consegue me surpreender em condomínios.  

Um dos momentos mais insólitos ocorreu em uma noite de verão, quando a criançada brincava na quadra. Eu estava em reunião com os conselheiros, no salão de festas, quando, de repente, policiais armados com fuzis adentraram o condomínio. Chegaram ao salão e nos mandaram pôr as mãos na cabeça enquanto revistavam o local. Nos apresentamos e procuramos entender o que estava acontecendo. Soubemos então que a polícia havia recebido uma denúncia sobre um homem que estaria atirando em pessoas na área comum do condomínio. Devido à extensão do empreendimento, a corporação enviara seis viaturas para bloquear o perímetro e já se preparava para pedir apoio ao helicóptero Águia.    

Enquanto eu observava, atônito, aquele movimento, que lembrava um filme de ação, fui me dando conta do que realmente havia acontecido. Um morador esquizofrênico, que havia interrompido a medicação após ter sido vítima de um golpe financeiro, vez ou outra, dizia ter visto um homem armado no condomínio, pronto para matar alguém. Em outra ocasião, durante um surto, mexera na fiação dos interfones, deixando o prédio sem comunicação.     

Ao ligar os pontos, constatei que tinha sido mesmo ele quem fizera a denúncia. Os policiais ficaram bravos por terem se deslocado para atender a uma ocorrência falsa. Para o condomínio, não pegou nada bem ter tantas viaturas na porta. Coube a mim procurar a família desse morador de 60 anos, que vivia sozinho, e pedir que cuidassem dele. Providenciaram um cuidador que passou a orientá-lo quanto à tomada da medicação, o que trouxe novamente equilíbrio à vida dele no condomínio.”

Depoimentos concedidos a Isabel Ribeiro


Matéria publicada na edição 135 set/25 da Revista Direcional Condomínios

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