Atos dissimulados, negação, mentiras.
Confira algumas situações relatadas por síndicos ouvidos pela coluna.
“Existem fingimentos clássicos em condomínios, como o coleguinha do filho ‘ser morador’ para ir à piscina, mas também já vi situação com pretensão dramática.
Lembro-me de um episódio ocorrido muitos anos atrás, em um condomínio de Guarulhos, em que até levamos um ‘puxão de orelha’ das autoridades pela comunicação de falsa tentativa de suicídio. Mas, em nossa defesa, na iminência de salvar uma vida, o plano de contingência padrão havia sido corretamente cumprido. Não era segredo para ninguém que um certo casal do sétimo andar discutia com frequência e, nessas ocasiões, a mulher gritava que ele iria ver, pois ela ia se jogar da janela.

Otávio Lourenço,
síndico profissional
Na véspera da simulação mencionada, vizinhos escutaram as mesmas ameaças. Já no dia em que tudo aconteceu, a moradora gritou da janela que iria se matar. Um pouco depois, foi vista estirada na lateral da torre, ‘agonizando’ sob o concreto. O marido não estava na unidade, mas chegou logo depois, assim como a polícia e a ambulância. A comoção tomava conta de todos, inclusive do parceiro. Os socorristas, mais experientes, perceberam algo de errado na cena, como a ausência de ferimentos. Pediram para ver imagens das câmeras de segurança e constataram que ela havia descido pelas escadas e se deitado no chão. Essa câmera havia sido instalada há poucos dias, e penso que a moradora não se deu conta disso antes de fingir atentar contra a própria vida para chamar a atenção do parceiro.
Na pandemia, em outro condomínio, também ocorreu um flagrante de realidade por meio de câmeras. Aconteceu logo no início do surto, quando uma parcela de pessoas ainda duvidava da disseminação da Covid-19. Pois um morador sem máscara e outro com o acessório se estranharam ao dividir o elevador e foram às vias de fato. Um deles atacou mais; o outro, praticamente, revidou para se defender. Afastaram-se, cada um seguiu seu rumo, mas a polícia já havia sido chamada. Então, o morador mais agressivo retornou, só que todo amarfanhado e simulando ter apanhado muito. Com certeza, queria que se compadecessem dele, mas era tarde: o ataque de fúria já estava gravado.
Teve ainda um condomínio onde aconteceu uma encenação mais leve, com direito a ‘objeto cênico’. Começamos a receber reclamações sobre utilização de furadeira fora do horário permitido com certa recorrência. Conseguimos identificar a unidade, e o zelador a contatou. A moradora, porém, alegou tratar-se do som do liquidificador. De fato, ela ligava o aparelho junto com a furadeira, no intuito de não ser ‘descoberta’. Um dia, um vizinho incomodado tocou a campainha. Para dar mais veracidade à história, a moradora o atendeu na porta com um copo de vitamina na mão e ainda se desculpou por ter um liquidificador tão barulhento.”
Algumas declarações que não condizem com a verdade ou ações dissimuladas tendem a vir à tona por meio de câmeras de segurança. Digo que a filmagem é a culpa registrada.

Orlando José,
síndico profissional
Algo comum é o tutor de pet não querer saber de limpar o xixi ou cocô do amiguinho nas áreas comuns. A pessoa até mente, dizendo que a caca é de outro cachorro, como fez um condômino que levou seu cão para passear carregando-o debaixo do braço pela garagem, por onde se acessa a área pet. Na ida, ele não percebeu que o cão havia feito cocô, mas, na volta do curto passeio, era impossível que não notasse o dejeto. Pouco depois, uma condômina pisou no cocô, escorregou e caiu na garagem. Quando soube do ocorrido, identifiquei o tutor pelas imagens das câmeras. No contato inicial, ele insistiu que seu cão só ‘fazia necessidades no lugar certo’. Porém, ao ver a comprovação pelas imagens, ele, para tentar escapar da multa, disse que o cão era idoso, doente, com dificuldade de controlar urina e fezes. Só faltou alegar demência.
Também é rotineiro que mães não ‘reconheçam’ seus filhos mediante infrações. Certa vez, adolescentes jogavam na quadra e a bola caiu no imóvel vizinho. Um deles escalou o alambrado e pulou o muro, que dava para o estacionamento de uma agência bancária. Jogou a bola de volta, mas não conseguiu sair de lá. O segurança do banco o flagrou e só se convenceu de que não era um meliante quando o zelador do condomínio, avisado pelos adolescentes, foi contornar a situação. Quando tentei falar com a mãe do jovem sobre o ocorrido, ela negou que fosse seu filho e, depois, mesmo vendo as imagens, negou e ainda questionou: ‘Como você sabe se esse rapaz é meu filho?’. Aí não deu para segurar, e respondi: ‘Se é ou não seu filho é uma questão particular. O que é do nosso conhecimento é que ele reside no mesmo imóvel que a senhora’.
Em outro condomínio, em São Bernardo, ouvi o mais deslavado ‘Ah, eu não sabia’. O zelador me informou que um condômino novo, que morava sozinho, operava na unidade uma central de telemarketing com 20 funcionários. A equipe dele usava a churrasqueira para almoçar e a área da piscina para descansar, tomando um solzinho no horário do almoço, e os moradores, com razão, estavam reclamando. Solicitei ao proprietário permissão para ir à sua unidade, onde confirmei haver um telemarketing ativo. Expliquei ao condômino que não era permitido instalar uma empresa em edifício residencial. Ele disse que não sabia e culpou a corretora, que lhe assegurara ser permitida tal atividade — o que acho pouco provável, porque ela também era condômina do prédio e não teria interesse em tumultos. Questionei esse senhor sobre o porquê de não haver comprado uma unidade comercial no edifício ao lado. Aí baixou a sinceridade. Ele disse que era mais caro e não havia lugar para a equipe ‘tirar a hora do almoço’.”
Matéria publicada na edição-312-jun/25 da Revista Direcional Condomínios
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Jornalista apaixonada desde sempre por revistas, por gente, pelas boas histórias, e, nos últimos anos, seduzida pelo instigante universo condominial.