Confira relatos de síndicos envolvendo pessoas acumuladoras
em condomínios
“Diferentes situações recaem sobre o síndico, entre elas, algumas que
envolvem pessoas com transtorno de acumulação compulsiva.
O gestor tem de estar atento para que essa condição não afete o condomínio. Anos atrás, ao assumir um condomínio de classe média alta, com muitas torres, na zona sul de São Paulo, fui procurado por funcionárias da limpeza, que não conseguiam mais usar o vestiário por falta de espaço, uma vez que o material da faxina estava sendo guardado ali. Estranhei porque havia um depósito para esse fim e nem era tão pequeno.

Alexsander Sardelari,
síndico profissional
Decidi conferir o depósito e levei um choque: eu mal podia me mexer lá dentro! A líder da limpeza, uma moça bem competente na função, era acumuladora. Guardava malas que ganhava dos moradores, e outras garimpadas do lixo reciclado, bem como cafeteiras, potes e embalagens. Contatei a terceirizada, que providenciou um caminhãozinho para levar os objetos à casa dela. Falei com a funcionária que não havia necessidade de ficar com tantas coisas, porém, quem sofre desse mal, acredita que um dia elas serão necessárias. Orientei que mantivesse o espaço livre para abrigar os itens de limpeza. Ela concordou, mas vez ou outra, eu encontrava uma ou duas malas por ali, cheias dos cacarecos que ela juntava e levava embora ao término da semana.
Em outro edifício, assim que iniciei a gestão, fui informado de que o ex-zelador era acumulador. Ele havia alugado uma unidade e morava ali. Fez obras no imóvel e acumulou retalhos de piso, peças velhas de hidráulica e afins no barrilete, uma área técnica que deve ficar desobstruída. O condomínio teve de alugar quatro caçambas para mandar embora tudo aquilo que, mesmo sem serventia, ele tinha dificuldade em descartar. Entretanto, nada se compara ao que vi em um prédio antigo, em bairro nobre da cidade. Sabe aqueles programas de TV sobre acumuladores? Foi bem isso. Só não havia resto de comida porque o imóvel estava desabitado há anos, desde que a proprietária foi morar na casa da filha, no interior. Como havia um vazamento interno no banheiro prejudicando a unidade abaixo, pedi autorização à condômina para entrar no imóvel acompanhado do zelador e me deparei com pilhas e pilhas de jornais e revistas; potes plásticos diversos, sacolas e roupas por todo lugar. Obviamente, não devemos interferir nas áreas privativas, mas fui obrigado a notificar a unidade. Solicitei que providenciassem limpeza urgente, pois até mesmo o banheiro, onde seria preciso quebrar a parede para acessar a tubulação, se encontrava inacessível com tantos guardados.”
“Soube que um morador pegava garrafa PET no lixo reciclável. Como sou gestora ambiental, por um instante me animei: seria para algum projeto? Errei feio.

Roberta Carvalho,
síndica profissional
A história começou quando porteiros da noite me avisaram que esse senhor tinha o hábito de revirar a lixeira destinada ao lixo reciclável durante as madrugadas. Tratava-se de um oriental idoso, na casa dos 70 anos, bastante reservado, que morava sozinho. Eu estava há pouco tempo na gestão do condomínio, um prédio com mais de 200 unidades de 30 e 60 metros, na região central de São Paulo, por isso procurei obter mais detalhes: ‘ele pega também potes de vidro’, disseram-me os funcionários. Ok, ainda poderia ser um caso de reutilização de materiais. Mas não tardou a chegar até mim reclamações de vizinhos sobre baratas francesinhas saindo do imóvel do tal senhor, bem como de contínuo cheiro de peixe.
Junto com o zelador, fui à pequena unidade. Havia um varal com peixes dissecados dependurados. Entendi ser um hábito cultural, mas expliquei que o procedimento estava causando incômodo à vizinhança, além de atrair moscas, vetores de doenças. Inclusive, sugeri um método de salga e conservação em que o pescado é acondicionado em geladeira.
Outra coisa que me saltou aos olhos foi uma parede de garrafas PET, fora os potes de vidros e incontáveis sacolas plásticas pelo ambiente. Perguntei se as garrafas estavam reservadas para alguma ação ambiental, se precisava de ajuda para transportá-las, ao que ele resumiu: ‘são para o meu uso’.
Com muito tato, falei que ele não poderia mais pegar objetos do lixo, pois mesmo havendo orientação para que as embalagens fossem lavadas antes do descarte, nem sempre isso acontecia, e apontei que esse costume estava resultando em baratas no apartamento dele, e ao redor. Não baratas de esgoto, mas aquelas ‘de cozinha’, difíceis de eliminar. Combinamos que o zelador aplicaria um gel inseticida na unidade.
Fui ainda uma segunda vez conversar com ele, deixei bem claro que teria de multá-lo se não houvesse mudanças. Até que um dia um conselheiro me ligou dizendo que o odor do apartamento extrapolara o ‘normal’. Ele havia falecido em decorrência de um acidente doméstico. Talvez o odor peculiar da unidade tenha mascarado o fato por um tempo.”
Depoimentos concedidos a Isabel Ribeiro
Matéria publicada na edição-311-mai/25 da Revista Direcional Condomínios
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Jornalista apaixonada desde sempre por revistas, por gente, pelas boas histórias, e, nos últimos anos, seduzida pelo instigante universo condominial.