A administração de condomínios hoje exige mais do que organização básica e controle de despesas. Exige técnica, preparo jurídico e visão preventiva. Um ponto essencial — e frequentemente negligenciado — é a formalização de regras claras e objetivas sobre o fluxo de cobrança de condôminos inadimplentes na Convenção ou Regimento Interno.
Essa medida fortalece a legitimidade das ações do síndico, assegura isonomia no tratamento das pendências financeiras e contribui diretamente para a saúde financeira e institucional do condomínio.
Inadimplência: um risco que compromete toda a coletividade
O crescimento da inadimplência condominial afeta diretamente a sustentabilidade da gestão. O não pagamento das cotas compromete a execução do orçamento, coloca em risco a continuidade de serviços essenciais — como limpeza, segurança, manutenção e contratos terceirizados — e pode levar à desvalorização do imóvel.
Em contextos de alta inadimplência, síndicos acabam pressionados a tomar medidas urgentes, e muitas vezes adotam estratégias pouco seguras, como cobranças improvisadas ou restrições a serviços essenciais. Aqui, mais do que nunca, se impõe a importância de atuar com respaldo legal e assessoramento técnico adequado.
A inclusão de uma cláusula que defina o fluxo de cobrança no Regimento Interno ou na Convenção oferece clareza e previsibilidade à gestão. Um exemplo prático e funcional seria:
Fica estipulado o fluxo de cobrança das cotas condominiais vencidas, nos seguintes termos:
I. Até 60 dias do vencimento, a cobrança será realizada na esfera administrativa, com envio de notificações formais;
II. De 61 a 90 dias, os débitos serão encaminhados para cobrança extrajudicial, com a inclusão de 10% de honorários advocatícios sobre o montante devido;
III. Após 90 dias, os valores em aberto serão encaminhados para cobrança judicial, com inclusão inicial de mais 10% de honorários, conforme política do escritório jurídico responsável.
Essa sistematização evita decisões subjetivas, protege o síndico de alegações de favorecimento ou omissão e reforça a imparcialidade da administração. Mas, é fundamental destacar: o respeito aos limites legais é indispensável, especialmente no que diz respeito às medidas coercitivas.
Medidas restritivas: o que o síndico não pode fazer
Diante de altos índices de inadimplência, muitos síndicos — mesmo bem-intencionados — acabam adotando práticas restritivas como forma de pressionar os devedores, como o corte de energia elétrica, bloqueio de acesso a áreas comuns ou restrição no fornecimento de água. Este último, embora possa parecer eficaz, é ilegal e gera grande risco jurídico para o condomínio e para o próprio síndico.
Um exemplo recente e didático ocorreu no julgamento do processo:
TJ-SP – Recurso Inominado Cível: 0002535-38.2023.8.26.0278 (Itaquaquecetuba)
Data de Julgamento: 08/06/2024 – Relator: Olavo Paula Leite Rocha – 3ª Turma Recursal Cível
Neste caso, o condomínio havia realizado o corte no fornecimento de água da unidade de um condômino inadimplente. A assembleia havia aprovado essa medida anos antes. No entanto, a sentença reconheceu a ilegalidade da restrição, destacando que:
- A água é serviço essencial, e seu fornecimento só pode ser interrompido pela concessionária;
- O corte promovido pelo condomínio foi considerado coerção indevida e ilegal;
- O condomínio possui meios próprios e legais de cobrança — como notificações, protestos, cobrança judicial — e não pode usar de medidas abusivas;
- A sentença foi mantida em todas as instâncias, e o recurso do condomínio foi negado.
Este tipo de conduta não apenas expõe o condomínio a ações judiciais e condenações, como também compromete a imagem institucional da gestão e do próprio síndico.
Para evitar esses riscos, é indispensável que o condomínio conte com assessoria jurídica especializada em Direito Condominial. Esse acompanhamento permite que a cobrança ocorra de forma eficiente, segura e profissional, com a condução de notificações, acordos, protestos e eventual judicialização — sempre dentro da legalidade.
Além disso, a assessoria jurídica atua de forma preventiva:
- Redige cláusulas regimentais em conformidade com a lei;
- Participa de assembleias com embasamento técnico;
- Instrui o síndico sobre o que pode e o que não pode ser feito;
- Garante que a atuação da administração seja respaldada e respeite os direitos fundamentais dos condôminos.
Vantagens da normatização e da gestão jurídica integrada
- Organização do processo de cobrança, com prazos e etapas definidas;
- Proteção ao síndico, que atua conforme normas aprovadas;
- Imparcialidade nas ações, evitando interpretações subjetivas;
- Redução da inadimplência, com atuação firme e técnica;
- Preservação da saúde financeira do condomínio;
- Evita medidas de exceção, como garantidoras ou taxas extraordinárias.
A gestão moderna e segura de um condomínio exige previsibilidade, legalidade e profissionalismo. Formalizar o fluxo de cobrança no Regimento Interno e atuar com o apoio de uma assessoria jurídica especializada são medidas que conferem estrutura, legitimidade e autoridade à administração.
E, mais importante, protegem o síndico e a coletividade contra os efeitos colaterais da inadimplência, sem comprometer direitos fundamentais nem recorrer a práticas de risco.