Locações por aplicativos: é preciso aval da assembleia?

homem segurando um smartphone

Com o crescimento das plataformas digitais de hospedagem, como Airbnb e Vrbo, muitos condôminos passaram a enxergar suas unidades como oportunidades de renda extra. No entanto, quando se trata de condomínios residenciais, essa prática levanta um importante debate jurídico: é possível alugar livremente por aplicativo sem consultar os demais moradores?

A resposta envolve um princípio fundamental do direito condominial: o respeito à coletividade.

Propriedade privada e função social

Embora o direito à propriedade esteja garantido pela Constituição, ele não é absoluto. O artigo 1.228 do Código Civil estabelece que o uso da propriedade deve respeitar sua função social. No contexto condominial, isso significa que o uso da unidade individual não pode prejudicar o sossego, a segurança e a salubridade dos demais moradores.

As locações por aplicativo, por sua natureza transitória e rotativa, têm sido vistas pela jurisprudência como formas de uso comercial, e não apenas residencial. Isso gera conflitos em condomínios cuja convenção estabelece destinação exclusivamente residencial para as unidades.

O que diz a lei

O artigo 1.333 do Código Civil reconhece a convenção do condomínio como norma obrigatória para todos os condôminos. Já o artigo 1.351 determina que alterações que modifiquem o uso das unidades exigem aprovação por quórum qualificado — no mínimo, dois terços dos votos dos condôminos.

Ou seja, se o condomínio quiser autorizar (ou proibir) locações por aplicativos, deve deliberar em assembleia com base nesses critérios. A ausência dessa aprovação formal pode invalidar a prática, mesmo que alguns condôminos sejam favoráveis à ideia.

Riscos para o proprietário

Ao disponibilizar uma unidade para locação via aplicativo sem o aval da assembleia ou em desacordo com a convenção, o proprietário pode ser notificado, multado e, em caso de reincidência, sofrer medidas judiciais. Tribunais de diversos estados já decidiram pela proibição dessa prática, destacando que a rotatividade de hóspedes compromete o ambiente familiar e a segurança da coletividade.

Além disso, a reforma tributária em curso no país prevê equiparar esse tipo de locação à atividade hoteleira, o que poderá gerar impactos fiscais relevantes para quem utiliza imóveis com esse fim.

O caminho correto: deliberar em assembleia

Para evitar conflitos e garantir a legalidade da prática, o ideal é que o condomínio discuta abertamente o tema em assembleia. Caso a maioria qualificada aprove, é possível estabelecer regras claras — como limite de hóspedes, exigência de cadastro na portaria e responsabilidade por danos — protegendo tanto os moradores quanto os locadores.

A tecnologia pode ser uma aliada na modernização dos condomínios, mas, sem respaldo legal e sem a participação da coletividade, pode se tornar fonte de conflitos e judicializações.

Autor

  • Issei Yuki Junior

    Graduado em Direito, com especialização em Direito Condominial e Família e Sucessões, atuando há mais de 26 anos como advogado nas áreas do Direito Família e Sucessões e Direito Condominial/Imobiliário.