A gestão condominial contemporânea enfrenta o relevante desafio de lidar com vícios construtivos — problemas técnicos que, não raramente, se manifestam anos após a entrega do empreendimento. Dentre os fatores recorrentes nesse contexto, destaca-se a má qualidade do cimento, insumo essencial à resistência e à durabilidade das estruturas. A utilização de material inadequado compromete a integridade do concreto, ocasionando patologias construtivas como fissuras, infiltrações e, em casos mais severos, comprometimento estrutural. Nesse cenário, torna-se imprescindível que síndicos e administradores compreendam a responsabilidade das empresas envolvidas e as ferramentas jurídicas disponíveis para a preservação do patrimônio comum e a segurança dos condôminos.
Para a correta imputação de responsabilidade, é essencial distinguir o papel de cada agente. A incorporadora é responsável pela concepção, registro e comercialização do empreendimento, mantendo relação contratual direta com os adquirentes, devendo observar as disposições da NBR 12.721/2006, bem como da Lei nº 4.591/1964. A construtora, por sua vez, responde pela execução técnica da obra, sendo incumbida da administração de materiais e mão de obra, observando fielmente o memorial descritivo e as especificações técnicas.
Todavia, é possível que surjam vícios aparentes ou ocultos em decorrência da má prestação de serviços ou do uso de materiais de qualidade inferior ou distintos daqueles descritos no projeto. A doutrina jurídica distingue entre vício redibitório — aquele que torna a obra inadequada ao uso ou reduz-lhe significativamente o valor, como nos casos de comprometimento estrutural — e o vício oculto, que se manifesta de forma não imediata, revelando-se progressivamente com o tempo. A má qualidade do cimento é um exemplo clássico de vício oculto, cujas consequências podem demorar anos a se tornarem visíveis, evidenciando-se por meio de rachaduras, desagregações ou descolamento do revestimento.
A responsabilidade das empresas da construção civil encontra respaldo no Código Civil (CC) e no Código de Defesa do Consumidor (CDC). A relação jurídica entre o condomínio e essas empresas é de consumo, conferindo ao primeiro a proteção legal própria do consumidor. O CDC, em seus artigos 7º, 12 e 14, estabelece a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores. A responsabilidade é objetiva, pois independe da comprovação de culpa, bastando a demonstração do dano e do nexo de causalidade; e é solidária, permitindo que tanto a construtora quanto a incorporadora sejam demandadas conjuntamente, o que assegura maior eficácia à reparação pretendida, devendo, contudo, ser analisado o caso concreto.
A definição dos prazos legais constitui aspecto de fundamental relevância. O artigo 618 do Código Civil prevê garantia de cinco anos quanto à solidez e segurança da obra, contados a partir da conclusão da construção. Caso o vício se manifeste nesse período, o condomínio dispõe de 180 dias de prazo decadencial para notificar formalmente as empresas e, se necessário, ajuizar a demanda judicial. Contudo, quando os vícios ocultos apenas se tornam aparentes após esse prazo, a jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem adotado o entendimento de que o prazo quinquenal refere-se apenas ao surgimento do vício, aplicando-se o prazo prescricional geral de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil, para a propositura da ação reparatória, contado a partir da efetiva ciência do defeito.
Adicionalmente, o ordenamento jurídico prevê a obrigação de fazer, nos termos do artigo 497 do Código de Processo Civil, permitindo ao Judiciário determinar que a construtora promova os reparos necessários, além da possibilidade de indenização por danos materiais e morais, conforme o caso.
Em situações mais graves, nas quais os vícios comprometam a integridade física dos moradores ou configurem risco à vida, a responsabilidade pode ultrapassar a esfera civil, ensejando consequências penais, como nos casos tipificados pelo artigo 256 do Código Penal (crime de desabamento ou desmoronamento).
A atuação diligente do síndico, da administradora e dos condôminos é essencial para o êxito de eventual demanda judicial. O primeiro passo consiste na documentação minuciosa das irregularidades, com registros fotográficos, vídeos e relatórios descritivos. Na sequência, é imprescindível a contratação de engenheiro civil especializado em patologias da construção, para emissão de laudo técnico pericial, que servirá como prova técnica robusta para instruir a demanda judicial. Igualmente importante é a assessoria de profissionais jurídicos especializados em Direito Condominial e Imobiliário, aptos a conduzir o processo de responsabilização com a técnica adequada.
Tais situações não podem ser negligenciadas, pois, além dos riscos à saúde e à segurança dos moradores, os vícios construtivos podem ocasionar acentuada desvalorização do imóvel e do empreendimento como um todo, resultando em prejuízos financeiros significativos para o condomínio e seus condôminos.