De engenheira a síndica de alto padrão: a história de Patricia Nahas

Síndica profissional Patrícia Nahas

“O TRABALHO É MEU ALIMENTO” 

Patricia Nahas, 61 anos: da reurbanização de favelas enquanto engenheira à síndica de prédios de alto padrão em bairros nobres  

“Nasci em 1964 e sou, como dizem, ‘filha da Revolução’. Minha mãe era advogada e meu pai, arquiteto. Até os 6 anos, morei em uma casa na Aclimação e frequentei o Colégio Anglo Latino. Em 1970, nos mudamos para o Jardim Guedala, no Morumbi, onde meu pai havia projetado e construído uma casa. Vivíamos como que em pequenos sítios, porque as casas eram afastadas umas das outras, sem muros, e as ruas eram de terra. Eu explorava a região de bicicleta. Naquela época, era outra vida — mais segura, mais feliz.  

Estudei no Pio XII, colégio de freiras, até concluir o ensino médio. Aos 17 anos, comecei a cursar Engenharia Civil no Mackenzie. Minhas duas irmãs, mais novas que eu, seguiram Medicina e Direito. Minha mãe nos orientou a escolher carreiras sólidas para não dependermos de maridos. Temos ascendência árabe e ela não nos queria à mercê de uma cultura machista, que valoriza muito pouco a mulher. Minha opção pela Engenharia tem um fato curioso. Na infância, no Jardim Guedala, uma chuva torrencial derrubou o muro da nossa casa. A imagem dos destroços no lamaçal da rua foi forte para mim. Minha mãe dizia que, por muito tempo, ao menor sinal de chuva, eu ia “conferir a casa”, olhando janelas e paredes. Depois que me graduei, ela brincava dizendo que eu me tornara engenheira para ter certeza de que nada iria desabar.   

Na época da faculdade, passei em concurso para trabalhar na Secretaria Municipal de Cultura e sempre opinava nas questões de manutenção. Isso chamou a atenção da então secretária municipal Marilena Chauí, que me nomeou assessora direta e me deu uma equipe móvel de manutenção para cuidar de bibliotecas e outros prédios culturais. Acompanhei as reformas da Biblioteca Mário de Andrade e do Theatro Municipal. Em meados dos anos 1990, pedi exoneração do cargo. Ansiava por novas vivências.  

Fui trabalhar na Ductor, empresa responsável pela gestão de obras públicas. Fiquei 12 anos na empresa e estive à frente de projetos extraordinários, como as reformas da Oca, do Pavilhão da Bienal e da Pinacoteca para a Mostra do Redescobrimento: Brasil +500. Outra experiência marcante foi trabalhar com urbanização de favelas. Só em Interlagos, gerenciei a construção de 41 prédios do Cingapura e atendi mais de 2 mil famílias. Não era só obra: era negociação com os moradores para deixarem suas antigas casas; era proximidade e confiança com a comunidade. Muitas vezes, quando eu chegava, já tinha bolo e café me esperando. Esse reconhecimento pelo meu trabalho tinha valor inestimável. Depois, assumi contratos da CDHU, construindo habitações para famílias de baixa renda. Eu tive acesso aos estudos, sou muito grata a Deus pela minha formação e, por meio dela, pude contribuir com moradias mais dignas para aquelas famílias.   

Ao atender a uma demanda profissional, conheci o Luis, engenheiro supercompetente que se tornou meu marido. Ele compreendeu minha relação intensa com o trabalho, tanto que estamos juntos há 25 anos. Somos pais da Luiza e, desde 2011, sócios em uma empresa de sindicatura. Ele foi auditor; detecta erros nas contas dos condomínios como poucos. Já nas relações interpessoais, sou mais cordial e empática do que ele. Nos completamos para prestar serviço aos condomínios.    

Eu já havia sido síndica orgânica e conselheira em alguns lugares em que morei. No condomínio de casas em que residimos no Morumbi, fiquei na função de 2010 até fevereiro deste ano. Porém, síndico profissional não é uma atividade regulamentada e qualquer um pode se autointitular. Eu preferi, antes de me lançar no mercado, me capacitar e fiz cursos de Administração de Condomínios na Universidade Secovi e na Escola Paulista de Direito — alguns anos depois, fiz a prova do Síndico 5 Estrelas e obtive a certificação do programa de qualificação. No Secovi, passei a integrar o Conselho de Síndicos e escrevi o ‘Guia Prático de Manutenção’ ao lado de Nilton Savieto e Anna Maria Cáfaro — uma honra!   

O primeiro condomínio da carteira foi indicação de uma administradora. Ficava na Vila Guilherme, a 32 km da minha casa, mas a distância e o trânsito não eram empecilhos, porque eu precisava ter um ponto de partida na nova carreira. O desafio também me instigava. Amassei muito barro em canteiro de obra, não sei ficar parada. O trabalho é meu alimento. Comigo, é pôr o prédio em ordem para rodar, realizar reformas e manutenções adiadas. Mas o que me encanta mesmo é lidar com as pessoas — aprender a ler cada uma, entender de que jeito conseguir uma negociação. Isso evita o tédio. Em minha estreia no segmento como síndica profissional, havia conflitos para administrar em um condomínio em mau estado — os condôminos queriam acionar a construtora. Junto com o Luis, apresentei um levantamento técnico à construtora, conseguindo R$ 200 mil em serviços para o condomínio, sem demanda judicial.   

A nossa empresa cresceu rápido, vieram condomínios indicados por várias administradoras. Hoje, preferimos menos prédios e mais renovação de mandatos. Em 2018, veio o primeiro condomínio de alto padrão. Eu administrava um edifício comercial na Vila Olímpia e o construtor me indicou para assumir uma das torres do Cidade Jardim. No ano seguinte, foi a vez de um ícone da cidade (construído pela construtora São José), seguido de outros prédios na mesma região. Antes, quando eu passava na ponte Cidade Jardim, olhava esse condomínio com suas duas torres notáveis, e pensava que seria o máximo administrá-lo. Não é que recebi um convite?! Assumi a gestão desse condomínio no dia de São Judas, o santo das causas impossíveis.   

Faz cinco anos que o Luis e eu estamos nesse condomínio e me orgulho de termos acompanhado uma obra que foi muito bem recebida pelos condôminos. Trata-se da ampliação da academia, que de 500 m² passou a 1.000 m². Convidamos 20 empresas de reforma para participarem da concorrência, e não três, como é comum. E, apesar do porte da obra, dispensamos a contratação de uma gerenciadora. Cuidamos nós mesmos da supervisão e entregamos a nova academia no prazo combinado.   

Gosto de todos os meus prédios e das pessoas que estão comigo, como meus gerentes e zeladores, manutencistas e a turma da faxina. Cumprimento os funcionários pelo nome; é importante que se sintam reconhecidos. Esse cuidado demonstra que estamos do mesmo lado: somos todos prestadores de serviço. É o time que me sustenta. Eu amo o que eu faço e hoje atendo condomínios mais perto de casa. O que mais eu poderia querer? Estou bem assim.”  

Patricia Nahas em depoimento a Isabel Ribeiro


Matéria publicada na edição 135 set/25 da Revista Direcional Condomínios

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