“O mundo é pequeno demais para mim”
“Tenho origem quilombola e indígena. Pulsa dentro de mim a força, a obstinação e o anseio de liberdade dos meus ancestrais, o que explica muito da minha trajetória. Também devo mencionar que Deus deve gostar muito de mim, porque sempre tive anjos, pessoas que me impulsionaram a crescer. Sou o ‘primeiro diploma universitário’ de uma família numerosa, fiz carreira na hotelaria, sou modelo sênior na São Paulo Fashion Week, sou síndico profissional de um condomínio conceitual elegantíssimo e, ainda, presto consultoria a mais dois condomínios. Por que eu falo tudo isso? Para honrar meus pais, já falecidos, que me transmitiram valores éticos que norteiam minhas ações; e para honrar meus irmãos, que sempre torceram por mim. E também para inspirar outras pessoas a romperem barreiras de preconceito — seja de raça, pobreza, idade, religião etc. Afinal, todos temos direito a um lugar ao sol.
Sou natural de Berilo, nos arredores do Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais, e cheguei a morar em quilombo, mas eu era muito pequeno, então minhas lembranças são um pouco mais à frente, da infância em uma casa simples na roça, com meus pais lavradores provendo o sustento de nove filhos — sou o quinto. Eu passava longos períodos na cidade, com as amigas da minha mãe, para frequentar a escola, que eu adorava. Minhas professoras me diziam que ninguém poderia tirar de mim o conhecimento. Quando eu tinha 13 anos, nos mudamos para São Paulo, na região do Campo Limpo. Na escola do bairro, me chamavam de roceiro, de caipira. Um dia, no recreio, uma garota branca, a Marineide, perguntou por que eu estava tão triste e, quando soube que eu não tinha amigos, ela segurou minha mão e me propôs sermos amigos para sempre. Depois, mais alguns alunos se juntaram a nós, e somos todos amigos até hoje. Esse grupo foi vital para evoluirmos no caminho do bem.
Meus pais logo voltaram para Minas, mas, antes, me emanciparam porque eu quis continuar em São Paulo e eles confiavam no meu jeito responsável. Os proprietários de um comércio de materiais de construção em Pinheiros, onde eu trabalhava como office boy, me cederam um quarto para morar sobre a loja. A filha deles me incentivava nos estudos, me ensinava inglês e fortalecia minha autoestima com palavras sábias. Por volta dos 18 anos, trabalhei como auxiliar de escritório em uma empresa de laminação de ferro. Passei a viver em pensão e a estudar em uma escola estadual em Perdizes, onde fui muito maltratado por causa do meu tom de pele e sotaque caipira, mas lutei pelo meu direito de ocupar aquele espaço. Nessa época, fazia cursos de inglês e, por causa disso, um cliente da empresa de laminação me levou para ser recepcionista bilíngue em um flat em Cerqueira César. Em oito meses, virei chefe da recepção. Mais tarde, cursei faculdade de hotelaria no Senac e ingressei na maior rede francesa de hotéis que opera no Brasil.
Na vida pessoal, enfrentei solidão na cidade grande e transformei dor e lágrimas em poesia. Tenho livros publicados com apoio de marcas de vinho, água mineral e restaurante. Na fase de lançamento do primeiro livro, uma enchente inundou meu quarto de pensão e levou quatro caixas de livros. Mas esse episódio triste teve um lado bom, pois me encorajou a buscar um lugar melhor para morar. Conheci, no trabalho, uma pessoa que estava alugando um apartamento e me interessei pelo imóvel. Ao entrar nele pela primeira vez, intuí que um dia iria comprá-lo. O proprietário mudou-se para os EUA e me vendeu o imóvel em parcelas a perder de vista. Não o vendo por nada: é a minha fortaleza.
Durante 25 anos, me dediquei à hotelaria, passei por grandes redes, me tornei gerente-geral e participei da implantação de hotéis. Em 2012, deixei o segmento para me dedicar apenas à minha agência de viagens, que eu havia aberto em 2006. Eu amo viajar, sinto sede de conhecer outras culturas. O mundo é pequeno demais para mim. Já estive em 86 países. Viajo não só por prazer, mas também para buscar experiências diferenciadas que eu possa oferecer aos clientes da agência. As viagens me moldaram como gestor; em países como Canadá e Suíça, por exemplo, aprendi muito sobre interações sociais gentis e respeitosas.
Além da agência, em 2014, assumi o posto de gerente concierge no Home Stay Paulistano, um residencial com 250 unidades, na Bela Vista. O conceito desse condomínio é oferecer serviços que tragam conforto de hotel, mas sem interferir no aconchego e na intimidade de um lar. Assim que comecei a acompanhar o dia a dia do empreendimento, notei algumas inconsistências e fiz apontamentos ao Corpo Diretivo, o qual, um ano depois, me convidou para assumir também a função de síndico profissional. De imediato, substituí empresas escusas ou relapsas que atendiam o condomínio. Considerando que, nesse prédio, 75% dos moradores são médicos, acredito que essas empresas se aproveitavam da falta de conhecimento técnico do Conselho Fiscal para agir. A obra de pintura da fachada, por exemplo, havia sido superfaturada — e a cor da tinta não era a do memorial descritivo; o laudo da limpeza das caixas d’água era falso; os elevadores do prédio, implantado em 2005, ainda estavam em nome da construtora; entre outras irregularidades.
Sob a minha gestão, pintamos a fachada duas vezes, nos prazos, e refizemos o paisagismo. Implementamos sistema de água de reuso, economizando até 30% na tarifa mensal. Instalamos filtros para purificar a água que vem da rua. Conseguimos conscientizar moradores para que participassem da brigada de incêndio. Agora, estamos providenciando para inserir regras para tutores de pets em novo regimento, porque vizinho não é para brigar, é para se apoiar. Organizo eventos como ‘degustação de vinhos’ para promover interação e bem-estar. Cuido deles e eles de mim. Já lidei com dois cânceres e recebi muito carinho e atenção dos moradores. E muito amor dos meus funcionários — o alicerce da minha gestão. Ali dentro, torcemos por pessoas! Cinco anos atrás, por acaso, caí no mundo da moda como modelo sênior de passarela e fotográfico, e alguns moradores vibraram quando souberam. Médicos, advogados, mulheres e homens maduros, que tinham vontade de fazer trabalhos de publicidade, se sentiram encorajados e foram em frente. É gratificante trocar experiências, sempre com muito respeito, claro. A riqueza das relações é aprendermos uns com os outros, todos os dias.”
Lourival Teixeira, em depoimento concedido a Isabel Ribeiro
Matéria publicada na edição 314 ago/25 da Revista Direcional Condomínios
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