A locação por curta temporada, popularizada por plataformas como Airbnb, Booking, dentre outras, tem gerado debates acalorados em condomínios residenciais.
Quando essa prática ocorre em empreendimentos com unidades classificadas como EHIS-2 (Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social), a controvérsia ganha contornos ainda mais delicados, especialmente quando existe convenção proibindo tal modalidade de locação.
Este artigo analisa o caso de um condomínio residencial, localizado em São Paulo (cujo nome será preservado em consonância com a Lei Geral de Proteção de Dados), cujas unidades são majoritariamente classificadas como EHIS-2, e avalia a possibilidade jurídica da locação por curta temporada à luz do regramento urbanístico, da convenção condominial e da jurisprudência atual.
Natureza do empreendimento e finalidade pública:
O Condomínio, em questão, possui 347 unidades, sendo 299 classificadas como EHIS-2 e 48 como R2V-1, conforme previsto no artigo 1º de sua convenção.
As unidades EHIS-2 se destinam à população de baixa renda (até 6 salários mínimos) e estão frequentemente associadas a programas habitacionais como o antigo Minha Casa, Minha Vida.
O uso destas unidades para fins comerciais, como a locação por curta temporada, pode caracterizar desvio de finalidade da política pública, o que enseja riscos de sanções administrativas, como:
- Cancelamento de subsídios e benefícios fiscais;
- Impossibilidade de participar de novos programas sociais;
- Ações civis públicas por violação da função social da propriedade.
Convenção condominial: Proibição expressa:
A convenção do Condomínio em análise é clara ao vedar a locação por curta temporada.
O artigo 9º determina:
“É vedada a locação das unidades autônomas para fins de hospedagem, locação por diária, ou por curto espaço de tempo ou temporada.”
Neste caso, não há margem para interpretação extensiva: a prática é proibida, independentemente da classificação urbanística da unidade.
Assim, o síndico possui dever legal (art. 1.348, II do Código Civil) de advertir e multar os condôminos que descumprirem essa cláusula, com base nos artigos 1.336 e 1.337 do Código Civil.
A Lei de zoneamento e a classificação EHIS-2:
A Lei nº 16.402/2016 (Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Paulo) não traz proibição expressa à locação por temporada em imóveis EHIS-2.
No entanto, essa categoria urbanística impõe restrições quanto ao uso do solo e destinação social do imóvel.
Ainda que a norma urbanística não vede diretamente a locação por temporada, seu espírito normativo é incompatível com o uso comercial ou rotativo dos imóveis, o que pode ensejar fiscalização e sanções pela Prefeitura.
Jurisprudência sobre locação por temporada em condomínios:
Os tribunais têm reconhecido a validade da proibição convencional à locação por curta temporada, especialmente quando há conflito com a finalidade residencial do condomínio:
“É válida a cláusula de convenção condominial que proíbe a locação por curta temporada, sendo legítima a aplicação de penalidades ao condômino que descumpre a norma interna.”
(TJSP – Apelação Cível nº 1003439-19.2021.8.26.0001, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves, j. 11/10/2022)
“Não configura restrição ao direito de propriedade a vedação à locação por curta temporada, quando essa restrição consta expressamente da convenção de condomínio.”
(STJ – AgInt no REsp 1.819.075/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 04/06/2019)
Alteração da convenção: Caminho viável, mas não absoluto:
A convenção pode ser alterada por deliberação em assembleia com quórum de 2/3 de todos os condôminos (art. 1.351 do Código Civil). No entanto, ainda que a cláusula proibitiva seja revogada, os proprietários das unidades EHIS-2 continuarão sujeitos aos limites urbanísticos e ao risco de responsabilização perante o poder público.
6. Fiscalização pública: Precedentes e riscos concretos:
A Prefeitura de São Paulo tem atuado de forma ativa na fiscalização de fraudes e desvios de finalidade em imóveis EHIS, inclusive quando utilizados de forma irregular para locações comerciais.
Segundo matéria publicada este ano no jornal O Globo, já houve notificações contra 11 empreiteiras por infrações na venda e destinação de habitações populares. A referida matéria, de 18 de fevereiro, é intitulada “Onze empreiteiras já foram notificadas por fraudes na venda de habitação de interesse social em São Paulo.”
Esse tipo de ação mostra que o uso irregular de unidades EHIS-2 pode atrair fiscalização severa, não apenas contra os incorporadores, mas também contra condôminos, síndicos e os próprios condomínios, caso se configure omissão ou conivência com práticas que violem a função social da moradia.
Conclusão: Segurança jurídica está na observância da função social:
A locação por curta temporada pode representar violação da convenção condominial e da finalidade social dos empreendimentos EHIS-2.
O síndico possui respaldo legal e jurisprudencial para aplicar penalidades em caso de descumprimento, sendo prudente a manutenção das restrições previstas.
Alterações à convenção devem ser feitas com ampla análise jurídica e conhecimento dos riscos regulatórios.
A segurança jurídica do condomínio, e de seus condôminos, está na coerência entre a destinação do imóvel, a convenção e a função social da moradia.
Autor
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Sócio-fundador do escritório Teixeira e Reis Advogados; pós-graduado em Direito Processo Civil pela faculdade Mackenzie; pós-graduado em Direito Imobiliário, Notarial e Registral pela faculdade Legale; especialista na área condominial; vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-Osasco; presidente do Núcleo de Direito Condominial da OAB-Osasco; e autor do livro “Alienação Fiduciária de Bens Imóveis”.