No anseio de conseguir um mínimo de atenção de seus donos, os cachorros choravam e uivavam diuturnamente, porém, ao que se pode constatar, o sofrimento aumentava dia após dia, já que seus proprietários, dificilmente, encontravam-se na unidade e, mesmo quando presentes, não davam a devida atenção aos animais.
Constatando certo atrito entre os moradores, que começou com reclamações e depois partiu para xingamentos e quase chegou às vias de fato entre a proprietária dos cães e outra moradora do edifício, não restou alternativa ao condomínio senão intervir buscando uma solução amigável entre os vizinhos.
O síndico, orientado pela administradora, encaminhou inicialmente um comunicado ao proprietário dos animais, relatando que o problema - além do claro sofrimento causado aos cães -, estava interferindo no sossego dos demais moradores. Ele solicitou nesta carta uma solução imediata e definitiva ao problema. Contudo, a conduta dos moradores da unidade se manteve, tendo sido então aplicada multa a eles.
Novamente, mesmo após a lavratura da multa, a situação permaneceu sem alterações.
Em situações como essa, mesmo após a intervenção direta do condomínio e, não ocorrendo qualquer mudança de postura do morador, o que fazer? Quais atitudes podem ser tomadas? Será que a esfera jurídica seria a única solução?
Este articulista já mencionou, em outros artigos escritos para a Direcional Condomínios, que não há possibilidade de se proibir a permanência de animais nos condomínios. Mas, de outro modo, sua estadia não pode prejudicar o sossego, a saúde e a segurança dos demais condôminos.
É o que prescreve o artigo Art. 1.336, inciso IV, do Código Civil.
Art. 1.336 - "São deveres do condômino:
IV – “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes".
Eventual desrespeito a um dos itens enumerados pelo inciso IV acima pode e deve ser combatido pelo condomínio, através de medida judicial, quando a via administrativa não for suficiente para inibir o ato.
Cabe salientar que a perturbação ao sossego constitui crime e, neste caso, há possibilidade de se lavrar Boletim de Ocorrência ao causador desta perturbação. Este comunicado à autoridade policial pode ser de iniciativa tanto do condomínio quanto de qualquer morador que se sinta incomodado.
A conduta é tipificada pelo artigo Art. 42 da Lei das Contraversões Penais, sobre perturbação no trabalho ou do sossego alheio, incluindo “barulho produzido por animal de que tem a guarda”. A pena prevista a esses casos é de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou aplicação de multa.
O causador do ato também incorre em crime ambiental, conforme se observa na análise do Artigo 32, da Lei Federal 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. O dispositivo inclui “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
Estas medidas devem ser tomadas em casos extremos, quando o sossego, segurança e salubridade dos moradores estiverem prejudicadas ou, ainda, a própria integridade física e mental dos animais. Voltando ao caso narrado no início deste artigo, antes de o condomínio impetrar alguma medida mais enérgica visando cessar a conduta dos proprietários dos cães, estes acabaram por se mudar do local.
Paulo Caldas Paes - Advogado da Ig, Paes & Moreira advogados. Coordenador da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-SP, Subseção Barueri, administrador dos grupos “Expresso Imobiliário” e Condomínios.com no Facebook. Criador do grupo “Incorporação Imobiliária – Questões Controvertidas” no linkedIn. Mais informações: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
Matéria publicada na edição - 194 de set/2014 da Revista Direcional Condomínios